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Provocações da Sra Inovadeira

O CONSUMIDOR DE ALIMENTOS É CONTRADITÓRIO: FAZ SENTIDO?

Postado em 17/10/2022 por Cristina Leonhardt
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No debate sobre a nova rotulagem nutricional – em que se destaca a novidade da vez, a rotulagem nutricional frontal, nossa famosa lupinha – um tema foi central: quão contraditório é o consumidor. Uma hora esse consumidor corta o açúcar e no momento seguinte reclama que a Sprite não tem mais açúcar. Acorda comendo pudim de chia e aveia e vai dormir fazendo fila para comer o hamburguer Stranger Things. Como pode ser possível entender essa cabeça do consumidor brasileiro, e atender a esse consumidor com alguma chance de sucesso, se seus movimentos são tão contraditórios?

Pois eu lhe digo: há muita água por baixo desta suposta contradição, e hoje eu lhe convido para esta reflexão. Ou quem, sabe, provocação.

Afinal: faz sentido o comportamento contraditório do consumidor de alimentos?

Alguns pontos podem nos ajudar a destrinchar esse tema. Bora entender mais sobre como as pessoas fazem escolhas?

Dica: este post você vai querer salvar por aí, porque está LOTADO de referências sobre Design e o comportamento do consumidor.

Ponto 1: Não existe um único consumidor (e que bom)

Este talvez seja o ponto principal – e por ser tão óbvio, talvez não precisasse ser dito, mas precisa. Só o fato de usarmos a expressão “o consumidor brasileiro”, assim, no singular, como se fosse um grupo homogêneo, evidencia uma tentativa de simplificação de uma realidade que é muito mais complexa.

(Eu não perco a ironia de usar mesmo assim esta expressão neste texto.)

Consumidores são heterogêneos, têm histórias e experiências distintas, que se interlaçam de forma única, afetando suas preocupações e suas avaliações do mundo ao redor, inclusive alimentos. Qualquer tipo de agrupamento que possamos fazer – seja por região, poder aquisitivo, nível de instrução – é uma tentativa de simplificação que reduz a nossa capacidade de enxergar a realidade como é.

Até as Personas, tão aclamadas no mundo do Design e empreendedorismo, são simplificações: especialmente quando o negócio cria uma única persona. Fabrício é um jovem de vegano de 29 anos, que tem muitos amigos e gosta de ir aos cinemas no final de semana, escuta música eletrônica e usa roupas de designers. Vamos desenvolver todos os nossos produtos para o Fabrício para depois descobrir que muitos dos nossos consumidores odeiam sinais de luxo e pendem ao minimalismo? Eu sugiro que não.

Que o consumidor seja essa complexidade ambulante é claramente um desafio para quem quer crescer com produtos de massa. Na lógica empresarial dominante, quando mais gente quiser a mesma coisa, mais chances se tem de expandir o negócio usando as mesmas competências internas (por exemplo, ocupando ao máximo a Produção, sem ter que fazer mudanças nas linhas).

Mas pensa aqui comigo, pequeno Padawan…

Que o consumidor seja essa complexidade ambulante é o que torna possível que a Coca-Cola, a Kiro e a Heineken Zero co-existam no mesmo território (e muitas vezes, na mesma mesa de bar). A razão de ser da sua própria empresa pode justamente ser o fato de que uma única empresa, por mais dominante que seja (como a Coca-Cola) não é capaz de atender a esta multiplicidade de preocupações e avaliações de mundo.

Se simplificar o consumidor a uma única persona prejudica o entendimento da realidade, o que fazer?

Uma saída é a análise de Big Data – uma análise de volumes massivos de dados que usa inteligência artificial para encontrar padrões de comportamentos reais de seres humanos reais, sem simplificações enviesadas. Cresce, por exemplo, o emprego de dados analíticos para criar personas menos enviesadas, ou o uso de sensores para melhorar a acuracidade dos dados coletados para a construção das personas. Quer conhecer empresas que já fazem este tipo de análise? Veja aqui.

Ponto 2: O processo de decisão não é nada lógico (nem racional)

Certo, as pessoas são diferentes entre si e agrupá-las reduz a nossa capacidade de entender a realidade. Então se eu entender bem alguém, como indivíduo com agência no mundo, serei capaz de prever o seu comportamento no futuro?

Hum… em partes.

Quem pensa que as pessoas tomam decisões racionais, baseadas na lógica, e se espanta com comportamentos contraditórios perdeu o bonde da racionalidade limitada nas últimas 5 décadas. No ano em que eu nasci (1978), Herbet Simon recebeu o Nobel de Economia pela sua pesquisa sobre o processo de tomada de decisão, que propôs que a nossa racionalidade é limitada por 3 aspectos:

  • A informação disponível
  • A limitação cognitiva da nossa mente
  • O tempo disponível para tomada de decisão.

Você certamente já tomou decisões das quais se arrependeu mais à frente. Agora, pare e pense. No momento da decisão, você tinha as informações que tem agora? Você pensava como pensa hoje? Você teve tempo para ponderar entre as possibilidades?

Na verdade, todos nós tomamos milhares de decisões todos os dias em tempos curtíssimos. Algumas decisões têm menos impacto, outras nos acompanham pela vida. E tomamos decisões com base no conjunto de informação, cognição e tempo daquele momento – que forma uma fotografia da nossa capacidade decisória.

Agora corta para o seu consumidor que acorda comendo pudim de chia com aveia e vai dormir fazendo fila para o hamburguer Stranger Things.

Em casa, na noite anterior, descansado, ele teve tempo para pensar no futuro e preparar com antecedência o pudim de chia com aveia. Ao acordar, a decisão era rápida, apenas comer o que já estava pronto – um comportamento que possivelmente já estava no automático. Durante o dia, contudo, ele vai sendo impactado no trabalho pela notícia de que o Burger King está fazendo esta promoção incrível, com edição limitada, para comer um hamburguer e um sundae inspirados na sua série favorita, Stranger Things – que, aliás, acabou de lançar a mais recente temporada.

Para melhorar, a loja próxima ao seu escritório estará caracterizada no tema, mas apenas hoje. Amanhã, não tem mais. Qual o problema de comer um hamburguerzinho e um sorvetinho apenas? Nenhum. Manda para a conta mais 980 calorias.

Contraditório? Sim. Mas humano, demasiadamente humano. Como pode ser visto no exemplo, a decisão não envolve apenas racionalidade. Envolve emoções.

No campo de Experiência do Usuário no Design, vários pesquisadores se dedicam a entender as diferentes emoções que podem ser provocadas (ou prevenidas) por produtos ou serviços. Um dos mais conhecidos, Donald Norman, identificou 3 níveis de processamento mental que levam a uma resposta afetiva em relação a um produto:

  • O nível visceral – a resposta afetiva imediata a partir da percepção
  • O nível comportamental – a resposta afetiva física, usando mecanismos aprendidos
  • O nível reflexivo – a resposta afetiva relacionada ao pensamento consciente.

O único nível em que vemos algum tipo de racionalidade é no reflexivo e, como já sabemos, esta racionalidade será sempre limitada.

Para adicionar mais ao caldo desta complexidade, Desmet e Hekkert propuseram que a interação usuário-produto tem 3 camadas de experiência:

  • A experiência estética – relacionada aos sentidos, o que, no caso de alimentos, podemos associar à experiência sensorial
  • A experiência de significado – relacionada aos significados que atrelamos ao produto
  • A experiência emocional – relacionada aos sentimentos e emoções que são provocadas por ele.

O que isso quer dizer: um produto nunca é só um produto. Somos seres que adicionam significado a tudo o que vemos (alô, fãs da Astrologia) e isso não seria diferente para os produtos que consumimos. Esse entendimento inclusive é uma das bases para o framework de desenvolvimento de alimentos que desenvolvemos na Tacta Food School – o FoodValue.

Ou seja, quando o nosso consumidor, fã de Stranger Things, está tomando a sua decisão do café da manhã e da janta, ele não apenas emprega processamentos mentais diferentes, com a sua racionalidade limitada (inclusive por gatilhos que o Marketing emprega), como também busca experiências distintas.

O mesmo consumidor. Humano, demasiadamente humano.

Se as pessoas não tomam decisões completamente racionais ao interagirem com produtos, que não são apenas produtos, o que fazer?

Uma saída é entender os interesses (concerns) que as pessoas carregam consigo no contexto em que interagem com aquele produto específico. Alguns concerns são universais (ter o que comer, por exemplo) – porém boa parte é dependente de contexto e/ou cultura. Ao invés de entender uma preocupação geral, que estaria sempre presente nas escolhas do usuário, visionários de alimentos espertos podem tentar compreender as preocupações e interesses situados – aqueles que dependem do contexto, ou que até são provocados pelo produto em questão. É a base da Teoria dos Appraisals, e você pode ler um pouco mais aqui.

Diferentes ferramentas de pesquisa com o usuário podem ser empregadas para entender estes concerns. É importante eles não sejam inventados por quem está desenvolvendo o produto, algo muito comum em sessões de brainstorming. Também deve-se levar em consideração vieses inconscientes que podem afetar os resultados da coleta de dados. Vale lembrar que qualquer coleta de dados baseada em auto-relato lida apenas com a parte consciente do comportamento e são sempre enviesadoseu lhe conto sobre mim o que eu quero que você pense a meu respeito. Portanto, vale a pena investir em métodos que coletem essas informações e dados empregando outros tipos de tecnologias (como sensores vestíveis, de contato natural ou sem contato).

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Ponto 3: A confusão é muitas vezes causada por quem reclama da confusão

Eu tô te explicando pra te confundir, eu tô te confundindo pra te esclarecer. Tom Zé.

Tom Zé, nosso visionário mor, declara na música Tô: boa parte da “explicação” é só confusão. Muito do comportamento contraditório do consumidor, do qual tanto reclamamos, inicia com nossas próprias táticas de comunicação sobre alimentos.

Quando expomos o consumidor a informações conflitantes – ovo faz bem, ovo faz mal, manteiga melhor evitar, manteiga é um boost para o cérebro – não estamos contribuindo em nada para melhorar este cenário. Se o consumidor já não existe como grupo, se ele faz escolhas dentro de contextos e situações específicas, com racionalidade limitada e buscando experiências diferentes, fazer escolhas imerso em um sistema que lhe entrega informações não precisas é simplesmente um inferno ?.

Como disse a Diretora de Comunicação de uma grande fábrica de laticínios em um painel que moderei: “O consumidor não é avesso a nada. Cada vez que colocamos ‘sem algo’ no rótulo, nós ensinamos ao consumidor que esse algo deve ser evitado”.

O uso de alegações nutricionais em rótulos de alimentos afeta a decisão de compra, porém isso parece depender do conhecimento prévio do consumidor a respeito das alegações, e de saúde em geral. Mesmo assim, muitos resultados de pesquisa na área são conflitantes, mostrando que, por exemplo, alguns claims de saúde fazem as pessoas desconfiarem dos alimentos – o efeito oposto ao desejado pela empresa.

Essa confusão toda, que nem sempre segue a Ciência, tem impactos negativos. A exposição a informações nutricionais contraditórias tem consequências pervasivas – como, por exemplo, a redução do consumo de frutas e verduras, ou o descrédito em informações nutricionais como um todo.

Cientes de que a comunicação das empresas não necessariamente visa a informação sem conservante em produto seco, alguém? ­– as autoridades de saúde de todo o mundo regulamentam rótulos e propaganda de alimentos. No Brasil, a alteração mais recente é a rotulagem nutricional frontal, que trouxe mais clareza para 3 itens da composição de alimentos: gorduras saturadas, sódio e açúcares adicionados. A intenção desta legislação, que já é realidade em cerca de 40 países no mundo e adiciona um alerta no painel frontal dos alimentos, é influenciar o processo de decisão de consumo em prol de alimentos mais saudáveis – dentro de uma perspectiva que se chama nudging.

Ao invés de proibir algo, a abordagem de nudging influencia o comportamento do consumidor em uma direção desejada, e emprega 4 tipos principais de estratégias:

  • Simplificação e enquadramento da informação
  • Mudança no ambiente físico
  • Mudança na política padrão
  • Uso de normas sociais.

Os resultados do nudging, é claro, não são tão diretos como uma proibição. A capacidade de influenciar para o consumo saudável dos diferentes esquemas de rotulagens nutricionais frontais empregados no mundo varia. Eles tanto melhoram o perfil nutricional dos carrinhos de compra para consumidores de baixa renda, quanto não têm impacto tão significativo assim. A própria lupa (o modelo brasileiro) já começa a ser testada em consumidores brasileiros, com resultados que são marginalmente bons em relação a outros modelos.

Resultados mais consistentes, baseados em situações reais e grupos maiores, somente estarão disponíveis após todos os prazos da nova rotulagem nutricional terem passado – com possivelmente efeitos de curto, médio e longo prazo que podem ser diferentes entre si. A contar pelo Chile, o primeiro lugar do mundo a implementar esta regulação em 2016, o consumo de bebidas altas em açúcar caiu em cerca de 23% em 1 ano, porém o efeito pode ter se restringindo a esta categoria, cujo consumo já vinha caindo há alguns.

Passando a régua: o consumidor é contraditório?

O consumidor na verdade é complexo.

Somos todos diferentes entre nós, fazemos escolhas imersos em sistemas sociais e com inúmeras preocupações e interesses em mente. A persuasão do Marketing é apenas parcialmente limitada por políticas públicas que promovem a saúde da população.

Como a gente dá conta desta complexidade, então? Ora, fazendo aquilo que eu sempre preguei aqui no site, desde o início: aproximando-se deste consumidor.

Não sabe nem começar? Eu lhe trago método e ferramenta. Vem falar comigo para a gente desenvolver junto novos alimentos que realmente façam sentido para este consumidor supostamente contraditório – e vamos encontrar as oportunidades de ajudar as pessoas a resolverem os inúmeros dilemas que encontram nas suas escolhas relacionadas à alimentação.

Ah, Design para Dilemas – mas isso já é assunto para um outro papo!

Clique no botão abaixo e fale diretamente com o Fernando Pedroso, nosso Gerente de Contas.

Eu já falei aqui sobre os paradoxos da indústria de alimentos, que pode ser uma boa leitura extra após este post. Também já discutimos o mito de que Steve Jobs não fazia pesquisa de mercado.

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