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Quando eu estava na primeira série – o que hoje é o segundo ano do ensino fundamental – aprendendo a ler, certo dia a professora Ana nos passou uma tarefa. Tínhamos que, usando a régua, traçar uma linha reta e desenhar algo a partir daquilo. Um dos meus colegas, contudo, não obedeceu: a mão livre, começou a traçar uma linha. A mais reta das linhas que poderia conseguir traçar a mão livre aos 6 anos. A sua reta.
Olhando aquilo, a professora imediatamente pausa o colega e, em voz alta, lhe repreende: “Fabrício, você tem que usar a régua.” A sala inteira ouviu. Fabrício, seguro de si mesmo em frente à figura doce, porém de autoridade, da professora Ana, lhe responde: “mas eu quero ser engenheiro.” Ao que, a professora Ana lhe retorna: “mas aqui você tem que usar a régua.”
Lá foi Fabrício usar a régua. Mais um visionário prendido nas regras do “tem que”.
Dos anos 80 para cá, muito mudou na educação das crianças. A visão de educação libertadora de Paulo Freire tomou conta de boa parte das nossas escolas, onde as crianças são mais estimuladas a explorarem do que a concordarem.
Contudo, perguntei à minha filha de 5 anos esses dias: “quando você tem que ir ao banheiro, precisa pedir permissão para sair?” E ela me respondeu: “sim, mamãe, a professora pede que eu espere se houver algo importante sendo feito ali.”
A mão do conformismo é ainda muito forte no Brasil. Você, neste mesmo momento, deve estar pensando: mas tem que ter respeito pela professora. Tem que pedir permissão mesmo. Isso é educação.
Será?
Por que pedir permissão para ir ao banheiro seria educação? E se minha filha estivesse com uma vontade imensa e fizesse suas necessidades ali mesmo na sala de aula – seria falta de educação? O que é mais educado: sair da sala e fazer suas necessidades fisiológicas num lugar privado, ou aguardar até que não seja mais possível segurá-las?
Veja bem: a professora tem aparente domínio sobre o que é mais importante para a minha filha, ir ao banheiro ou assistir à aula. Como isso é possível, se quem está tendo a tal necessidade não é ela?
Pedir permissão para ir ao banheiro parece “coisa de criança”. Tanto é que, entrando na faculdade – escola de adultos – o comportamento para de existir. “Somos permitidos” ou “reivindicamos” nosso direito à decisão sobre nossas funções biológicas, e quem pede permissão ao professor nos primeiros dias de aula logo é taxado de calouro.
Inovar, segundo Schumpeter, é processo de formar novas combinações. Essa definição ele deu lá em 1934, aos 28 anos, e permanece como uma boa forma de definir inovação (existem outras tantas).
Formar novas combinações também se expressa como convergência. Você vê exemplos de convergência para todos os lados – celulares que tiram fotos e acessam a internet e compram passagens aéreas e fazem pagamentos e são plataformas de jogos e agenda: são o padrão. Temos máquinas para cafés vendidos em cápsulas e clubes de todos os tipos para quem quer receber em casa produtos específicos (produto + curadoria + transporte fazendo parte do combo desta convergência).
Quando falamos de alimentos, dificilmente teremos alguma inovação disruptiva no produto em si. Tudo mais ou menos já foi inventando – e mesmo quem pensa que a barra Soylent é algo revolucionário, compreende que barras de cereais cheias de nutrientes existem aos montes.
Comer é algo tão antigo e intrínseco ao ser humano, que a curva de inovação disruptiva aconteceu há milhares de anos atrás, lá quando o processamento de alimentos estava nos seus rudimentos.
Quando alguém descobriu que misturando com força um pó feito dos grãos do trigo com água, e cozinhando essa mistura, formava-se algo extremamente delicioso. Quando alguém descobriu que guardando o suco da uva de determinada forma, obtinha-se uma bebida diferente, e que dava a famosa “tonturinha”. Quando alguém percebeu que cozinhando a carne ela era mais palatável, e matava menos das pessoas ao redor.
Se inovação disruptiva não é mais possível em alimentos – ou pelo menos, é muito improvável – por que continuar por aqui? Por que continuar lendo estes textos e assistindo estes vídeos sobre inovação de alimentos?
Pois bem, porque chegamos à questão: a inovação disruptiva em alimentos é muito mais provável quando pensamos na cadeia como um todo, ou no sistema ao redor daquele alimento como um todo. Quando aplicamos a visão sistêmica sobre aquilo que produzimos, e não apenas um olhar tão estreito que apenas vê fórmula e embalagem e processo.
Se você estava até se perguntando o que este texto estava fazendo numa plataforma de inovação em alimentos, chegou a sua hora. Para os que já entenderam onde vamos chegar, olha aqui o caminho.
Formar novas combinações é – sumamente – pensar fora da caixa. Melhor ainda, quebrar a caixa. Nem enxergar a caixa. Abandonar a afirmação de que “as coisas têm que ser assim”, para abraçar a pergunta “como as coisas podem ser?”.
E aí chegamos ao assunto escola. Quem tem o prazer de conviver com crianças sabe que nascemos – todos nós – questionadores e exploradores. Todos nós pusemos objetos na boca, engatinhamos e corremos para descobrir o que há do outro lado – todos nós, sem exceção, quisemos saber por quê.
Contudo, você há de convir comigo que nem todos nós, adultos, somos questionadores. Temos diversas coisas entaladas na garganta para dizer aos nossos gestores, não é? Quando nos aproximamos de um policial, mudamos o tom, nos comportamos – mesmo que sejamos seguidores da lei.
Temos uma grande dificuldade em questionar nossos líderes – e chamamos ao que seguem alguém em quem não acreditamos de ovelhas, mesmo que sejamos, nós mesmos, ovelhas de outros líderes.
E tudo isso tem a ver com a escola e a nossa formação inicial.
É na escola que primeiro aprendemos que temos que usar a régua se a professora mandou, e que temos que pedir permissão para usar o banheiro. É na infância que ouvimos que criança tem que se comportar, que tem que parar de fazer algazarra, que não pode se pendurar na janela, que não deve andar com tal e tal companhia, que não pode caminhar ao lado da piscina, que tem que pedir benção a um adulto, que não pode fazer birra e tantas outras formas de exercer um papel de “adulto” frente a uma “criança”.
E de acabar de vez com a iniciativa, a exploração e o questionamento.
Num pais de maioria conservadora como o Brasil – pelo menos pelo que se está moldando após as últimas eleições – não me admira que amarguemos posições nada gloriosas em qualquer ranking que meça a inovação. Em 2016, o Brasil subiu uma posição – deixamos o 70º lugar para “brilhar” na 69ª posição.
A ideia de que devemos manter as tradições não é errada em si – mas acompanhada desta formação inicial que valoriza o acerto, pune o erro e impede os desviantes, é perversa para inovação. Tradições são importantes porque preservam nossa história, mas a obediência sem questionamento impede a abertura para o novo.
Pense nas instituições mais tradicionais que você conhece e pergunte-se: são inovadoras?
Não há executivo ou executiva com quem converse que não se entusiasme com a inovação. Todos reconhecem que inovação é crucial para seus negócios – mesmo que chamem de outros nomes, como “lançamentos”. Todos em busca daquele um produto que irá mudar o jogo para a empresa.
Até o momento em que chegamos à questão: “para encontrarmos este produto, teremos que mudar coisas por aqui”.
Para isso, menos controle, menos indicadores, menos reuniões de status de projetos, mais liberdade e autonomia. Nessa hora, “as coisas têm que ser assim” entra forte e o pensamento de inovação salta pela janela, assustado.
Afinal, “temos que” poder medir, não? Temos que usar alguma régua. A área de P&D “TEM que” dar resultado – e esse resultado é faturamento de novos produtos.
Será mesmo?²
Pergunte-se: que cultura é mais importante para a sustentação e perpetuação da sua empresa? Aquela que valoriza os anos passados, o que foi feito, “como as coisas acontecem por aqui”? Ou a que abraça o novo, os movimentos da sociedade, as tecnologias disruptivas e tudo o mais que vem pela antena voltada para o mundo?
A não ser que a sua empresa tenha desenvolvido uma máquina do tempo, ela se perpetuará no futuro – não no passado. Estar apto a moldar-se, repensar-se, reaprender-se são habilidades críticas para esta perpetuação.
Acontece que reaprender tem a ver com desaprender – ou seja: questionar o que se aprendeu, e jogar tudo fora pelo ombro, para aprender coisas novas e até opostas às iniciais.
Reaprender tem a ver com errar, e achar bom errar. Reaprender tem a ver com recombinar. Reaprender tem TUDO a ver com questionar.
Temos que nos livrar do medo de errar, e também parar de punir quem erra. Temos que valorizar quem acerta, mas muito mais fazer brilhar quem questiona e tenta mudar. Temos que estimular a crítica, a desconstrução, a abertura, o aprendizado – e deixar de lado que o que “não se mede, não se gerencia”.
Se a área de P&D é gerida pelo indicador de faturamento de novos produtos, façamos aqui as contas: quantos projetos desafiadores teremos? Se o bônus da equipe está atrelado ao sucesso dos produtos, quanta energia colocaremos nos projetos não tão óbvios, nas ideias menos convencionais, nas inovações mais disruptivas?
Eu lhe respondo: pouca ou nenhuma. O pesquisador de P&D que é avaliado por faturamento de novos produtos é instigado a trabalhar em projetos seguros, de baixo risco e alto potencial de venda. Ou seja: nas ideias óbvias que já existem no mercado e são normalmente apenas cópias dos concorrentes.
Aquele produto que iria mudar o jogo para a empresa? Nunca será desenvolvido, porque ele não é um projeto seguro.
Algumas das coisas mais importantes para uma empresa não são mensuráveis – ou você conhece uma boa régua capaz de medir o engajamento do seu time?
Você pode ter resultados sem engajamento? Hoje, sim. Amanhã, também.
Daqui há 5 anos: improvável.
Se você pretende continuar no jogo de alimentos no futuro, e quer manter a sua relevância no mercado, encontre formas de valorizar o erro e impulsionar os questionadores. Encontre formas de estimular a mente inquieta e criativa. Encontre formar de fazer os visionários florescerem.
Encontre formas de abandonar a régua. De se livrar dos indicadores. De criar um ambiente de confiança.
E vamos deixar as crianças desenharem a mão livre. E irem ao banheiro quando sentirem que é hora.
Para aprofundar a discussão, leia este artigo da HBR sobre como aumentar o aprendizado com as falhas e este sobre estratégias para fazer isso. E adicione na lista este aqui, sobre como somos uns hipócritas falando que temos que aprender com falhas, mas não somos capazes de admitir as nossas próprias 😉
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