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Esta semana fiz uma postagem nas mídias sociais que rendeu certa polêmica. O produto em questão é o Ninho Hora de Dormir – um composto lácteo com camomila da Nestlé, destinado a crianças (não bebês) que supostamente ajuda na hora do sono, com uma fórmula que leva camomila, vitamina B6 e magnésio.
Quando peguei a embalagem no supermercado, logo me lembrei que boa parte das listas de tendências mapeadas para 2021 cita que pegar no sono é um dos dilemas da quarentena. Estamos mais expostos às notícias, tomamos menos sol, vivemos em meio a uma pandemia, muitos sofreram e viram seus familiares e amigos sofrerem ou morrerem. É natural que, em tal estado de agitação, tenhamos dificuldades em pegar no sono. Se tem uma coisa que fazemos bem é capitalizar as dores do ser humano.
Deixei a foto parada por algumas horas, enquanto o assunto repousava no fundo da minha mente. Quando postei, o período de incubação despertou o que estava me incomodando nele: as consequências da inovação.
Fiquei imaginando como seria a adoção deste produto na nossa casa – pais com cerca de 40 anos, que há cerca de um ano e 8 meses não dormem bem. O produto não é indicado para esta faixa etária, mas com certeza é uma das faixas etárias em que a família se sentiria mais inclinada a usá-lo.
Imaginemos juntos então: compro, a Alice toma antes de dormir, fazemos o ritual proposto pela empresa, e naquela noite dorme um sono profundo. Na noite seguinte, é claro que queremos repetir. E assim fazemos por 30 dias, enquanto dura o conteúdo da lata. Alguns dias ela não dorme tão bem como na primeira noite, mas atribuímos a outros fatores – estava muito quente, muito frio, o dia havia sido agitado.
Assim, o balanço dos primeiros 30 dias é positivo e adotamos o Ninho Hora de Dormir. Nas noites em que ficamos sem produto, desespero: “será que ela vai dormir?”. Brigas emergem sobre quem deveria ter comprado e não comprou. Às 10h da noite sai um carro em direção ao centro, buscando em todas as farmácias abertas algum estoque do produto (que só achamos em supermercado). No dia seguinte, com olhos vermelhos, compramos mais 3 latas para nunca mais faltar.
Alice agora, 4 meses depois, não está dormindo bem. Vamos ao pediatra, que muda nosso ritual de sono, trazendo mais etapas. Receita aroma de lavanda.
Alice agora com quase 5 anos, ainda acorda algumas noites. Sabemos que algumas crianças não produzem melatonina o suficiente – será a hora de usar? Testamos, ela dorme.
Alice agora com 10 anos, irritada com as mudanças hormonais pelas quais começa a passar. Começa a tomar um ansiolítico infantil para relaxar.
Eu posso continuar este exercício por mais tempo, pensando em mais e mais consequências. Meu ponto com a postagem é: o que acontece depois que entendemos que precisamos consumir algo para conseguirmos dormir? Quanto tempo leva para condicionarmos o sono de alguém ao consumo de algo?
A reflexão poderia ter sido feita sobre qualquer produto – afinal, não existe tecnologia boa, ou ruim. Tampouco neutra – já diz a primeira lei de Kranzberg.
Melvin Kranberg foi um historiador americano focado na história da tecnologia, que ficou famoso pelas suas 6 leis da tecnologia. A primeira delas nos traz um alerta:
A tecnologia não é boa ou má, tampouco é neutra. Melvin Kranzberg
Nós não existimos no vácuo. Não há o que façamos que não traga consequências esperadas e inesperadas, desejadas e indesejadas.
Isso vale especialmente para a tecnologia: quando pensamos em inovação tecnológica, pensamos em algo bom, certo? Algo que vem para facilitar a vida? Algo que vem para reduzir o custo de vida, ou torná-lo tão irrisório que ninguém precisaria de salário?
Esse pensamento enviesado pró-inovação costuma se esquecer que nem toda a inovação tecnológica faz bem.
Ou vossa senhora acha a bomba atômica o suprassumo da maravilhosidade?
Talidomida.
E o que falar do spinner de dedo?
A lista do MIT TEchnological Review inclui o selfie stick – afinal, mais de 260 morreram em 6 anos tentando tirar selfies.
(sem falar das bastonadas na cabeça em pontos turísticos onde na década passada nós nos aglomerávamos… bons tempos)
A questão que eu lhe proponho aqui é: quais serão as consequências da SUA inovação?
Caso você trabalhe numa empresa pequena, regional, com baixa penetração do mercado, o impacto do que você desenvolve será menor. Ainda assim, ele existe.
Mas considere qualquer produto de uma das 10 maiores empresas de alimentos do mundo – Nestlé, Pepsico, AB-Inbev, JBS, Tyson, ADM, Mars, Cargill, Coca-Cola, KraftHeinz. Se você trabalha em qualquer uma destas, as chances de que o seu desenvolvimento impactará as vidas de inúmeras pessoas são grandes.
E isso é só olhar para hoje. Você lança um produto e amanhã as pessoas descobrem que são apaixonadas pelo seu hamburguer vegano ou ketchup com bacon – ou ambos.
Agora, o que acontece no futuro? Como as suas ações, as suas decisões as suas formulações vão se desenrolar daqui a 10 anos? Que impacto as inovações da sua empresa terão no sistema de alimentos?
É bem difícil pensar assim, de forma sistêmica e a longo prazo. Enxergar todas as ramificações possíveis das nossas inovações – pensar nas consequências da inovação.
Sobre este tema, Everett M Rogers, autor do livro (indicadíssimo) Diffusion of Innovations, alerta:
Agentes de mudança geralmente prestam pouca atenção às consequências. Eles muitas vezes assumem que a adoção de uma dada inovação produzirá principalmente resultados benéficos para os adotantes. Everett M Rogers
Rogers classifica as consequências como:
Exemplos de consequências dos diferentes tipos abundam na literatura.
Uma consequência desejada, direta e antecipada é o aumento de veganos conforme mais produtos veganos são lançados no mercado. Uma consequência não desejada, indireta e não-antecipada do lançamento de produtos veganos é a redução da camada de ozônio, por uma dieta com uma pegada de carbono ainda mais alta do que a onívora, caso tais produtos não sejam exatamente sustentáveis.
A grande fome irlandesa, que matou cerca de 1 milhão de pessoas e fez outros 2 milhões emigrarem, foi uma consequência não-antecipada e indireta de uma inovação tecnológica que reduziu o tempo de viagem a barco entre os Estados Unidos e a Irlanda. Uma viagem, que antes levava cerca de um mês, o suficiente para descontaminar os navios, passou a levar 12 a 14 dias – trazendo o fungo Phytophthora infestans, que infestou as batatas e dizimou a colheita entre 1845 e 1846.
(Ainda que o imperialismo britânico tenha muito mais culpa do que o fungo.)
Não precisamos ir tão longe, nem não atrás. Uma consequência não-antecipada e indesejada de uma das inovações tecnológicas mais disruptivas dos últimos tempos em alimentos – os organismos geneticamente modificados – foi a criação de uma certificação internacional para provar que o alimento em questão NÃO emprega tal tecnologia.
(Já parou para pensar como você se sentiria se uma certificação internacional existisse para provar que determinados alimentos não empregam a inovação que VOCÊ levou anos desenvolvendo?)
E aqui voltamos ao produto Ninho Hora do Sono.
Algumas pessoas me disseram que não veem problemas nele, afinal os ingredientes são naturais, aprovados, e se entrega o que promete, tá de boas.
A meu ver, é uma visão simplista.
É negar que a Nestlé é a maior empresa de alimentos do mundo. Negar que seus movimentos são seguidos de perto por milhões (ou bilhões) de consumidores. Negar que o sono das crianças é uma das principais dores das famílias (eu que o diga), um ponto sensível que faria qualquer casal considerar seriamente muitas intervenções.
Não é só um produto que entrega o que promete. Olhando pela ótica do FoodValue, a gente percebe que este produto, claramente direcionado aos PAIS da criança, não a ela, tem muito mais camadas de valor do que um alimento comum. Ele entrega valores que vão além de apenas nutrir a criança: entrega descanso para os pais.
Consequências: as pessoas estão dando este leite para crianças de 1 ano e fazendo resenhas na internet. Será que ele funciona?
No meu post, a discussão logo enveredou para a amamentação, apesar de não ser um produto destinado para bebês. Será que essa consequência era esperada ou inesperada pela Nestlé?
Nós inovamos num sistema de alimentos, totalmente imerso em um sistema social. Tudo o que fazemos tem implicações em todas as direções – inclusive no futuro.
Até este site. Quando lancei o Sra Inovadeira, eu realmente pensei que poderia plantar uma semente capaz de provocar as mudanças no mercado de alimentos. Penso até hoje: a maior motivação para eu continuar escrevendo aqui é ver que essa mudança está acontecendo e que o Sra Inovadeira faz parte dela.
Não operamos no vácuo. Infelizmente, apesar disso, atacamos cada decisão como se fôssemos empresas isoladas no nosso mundo, sem qualquer relação com o ambiente, lançando produtos para o vazio. Cada Gestor de Produto, cada Líder de P&D olha para seus projetos como se fossem únicos – muitas vezes, até desconsiderando outros produtos da mesma empresa.
(O consumidor também tem esse pensamento, quando diz que suas decisões são soberanas, suas, apenas suas, independentemente tomadas, sem levar em consideração o impacto que todo o sistema cultural, de recompensa e valores tem sobre elas.
Ou o Marketing).
Isso é uma miopia. Somos impactados e impactamos continuamente o mundo ao nosso redor.
Pensar nas consequências da inovação é tanto um exercício de visão sistêmica (essa competência tão importante para quem inova) quanto de futurismo (prática que deveria guiar nossos esforços de inovação). Ambas as competências são raramente encontradas em quem não problematiza as questões ao seu redor: se tudo ao seu redor é normal e não vale a crítica, é claro que você não está estimulando a sua capacidade de ver as implicações sistêmicas e futuras do que faz.
So sorry for you. ?
É difícil compreender a cadeia de eventos que se desenrola a partir de uma inovação (o exemplo da inovação no barco dá pistas dessa dificuldade): por conta disso, é fácil dissociar os efeitos da inovação em alimentos sobre a sociedade e sempre apontar para outros culpados. Quem produz alimentos com açúcar pode apontar a falta de exercício físico e até a televisão como causas da epidemia de obesidade, e não estaria errado. Aqueles que fabricam alimentos convenientes podem apontar a urbanização e a falta de tempo como causas da perda de cultura culinária, e não estariam errados.
Contudo, ao apontar o dedo para fora, será que esses atores podem mesmo deixar de olhar para dentro e reconhecer a sua parcela de contribuição no sistema alimentar? Eu aposto que não. Ninguém lança produtos pensando em deixar a vida do consumidor mais difícil – mas, às vezes, é justamente isso que acontece. E precisamos ser autocríticos e maduros o suficiente para entender isso e fazer as mudanças necessárias.
A minha proposta para você hoje é estimular o pensamento sistêmico e fazer um exercício de futurismo: que impactos a sua inovação trará para o sistema alimentar e o mundo como um todo?
Para se transformar em um visionários de alimentos, combine esta leitura com os seguintes textos:
Seja a mudança que você espera na indústria de alimentos
A indústria de alimentos é uma grande cozinha
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Cristina , artigo brilhante ! e completo suas conclusões com o titulo do também recomendado, ironicamente a autora tem o sobrenome da dita cuja que você menciona , Marion Nestlé … é uma “VERDADE INDIGESTA” como a indústria ás vezes manipula realmente a ciência do que comemos! há que se pensar nos dois lados da moeda … um abraço para você !