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Hoje temos um novo post da coluna Direto de P&D. Uma coluna para retratar os questionamentos, aprendizados e conselhos de quem está com as duas mãos na massa – VOCÊ! Tem um ponto de vista sobre os assuntos que rodeiam essa área apaixonante de criação de alimentos e gostaria de publicar aqui? Manda seu texto para mim – você pode publicar como um convidado ou até virar nosso colunista 😉
O texto de hoje é da nossa visionária Luciana Monteiro, que você já conhece dos textos sobre inovação em P&D e alimentos sem glúten. Sempre questionadora, hoje a engenheira de alimentos, mestre em Tecnologia de Alimentos, traz outra provocação: ética na formulação de alimentos
Todo esse tempo dentro da indústria de alimentos, eu nunca ouvi sequer uma empresa dizer que está mentindo para o consumidor ou, mais grave ainda, fazendo alguma coisa que é contra lei.
Empresas sérias e idôneas não se atrevem a desrespeitar uma legislação ou colocar algum produto no mercado que possa causar algum mal a quem o consome. E quando são questionadas, geralmente os discursos dizem que “seus processos passam por rígidos controles e certificações internacionais de qualidade”. Que “todas as matérias-primas utilizadas nos produtos passaram por muitas pesquisas para que pudessem ser aprovadas”.
E, sim! Isso é tudo verdade!
Esta é uma fala clássica das empresas!
Mas o que eu quero aqui é tocar em uma ferida, na qual a indústria não está querendo falar.
Me parece que quando os consumidores nos questionam, eles não estão questionando a segurança ou higiene do alimento. Acredito que o que está sendo questionado é o conteúdo das caixinhas e dos pacotinhos que estamos colocando nas prateleiras.
E aí, sim, é o ponto que posso dizer com propriedade, que se a indústria não mente para o consumidor, ela o distrai. Ela usa de meios para construir uma história, que nem sempre correspondem ao produto que ela vende.
No processo de desenvolvimento de produtos, um grupo multidisciplinar é envolvido para criar um alimento. E aqui eu falo do publicitário, do marqueteiro, do engenheiro de alimentos, enfim, um grupo bastante qualificado para criar uma semiótica, na qual cada elemento adotado é estrategicamente pensado para passar uma mensagem. São atrativos de imagens visuais, cores, personagens felizes, e elementos que remetem ao natural, ao fresco, ao bem-estar.
E ótimo, quando essa mensagem diz a verdade a respeito do produto, mas essa não é a realidade da grande maioria dos produtos.
E como nós, os engenheiros de alimentos, ajudamos nessa história?
Nós colocamos corante roxo, usamos um aroma de fruta fresca, espessantes e açúcar para dar a impressão de ter alto conteúdo de polpa. Colocamos suco de maçã, e só um pouquinho de suco de uva, para então, poder chamar de bebida mista sabor uva. E usando as uvinhas no rótulo, fazemos com que o consumidor acredite que aquilo é um suco de uva, tal qual como aquele extraído do cacho de uva fresca.
Esse é o jogo que muitos de nós fazemos diariamente no nosso trabalho!
É o que me incomoda, pois sabemos o que estamos fazendo, mas o consumidor não sabe o que está comprando.
O consumidor, quando vai ao supermercado, tem um problema para resolver, que é comprar produtos para o almoço, ingredientes para o jantar da família, o suquinho da lancheira do seu filho. E ele faz suas escolhas baseado na história que a gente conta, e se essa história não é, assim, tão verdadeira, temos uma questão de ética não respeitada com a sociedade.
Como lição de casa quero fazer 3 provocações:
Reconheço que os aditivos têm funções tecnológicas importantes, que sem esse recurso muitos alimentos não seriam viáveis na prateleira. Mas, para mim, o problema é quando retiramos leite e colocamos espessantes em iogurtes, tiramos tomate dos molhos de tomates e colocamos amidos, tiramos cacau e colocamos maltodrextrina e aromas dos achocolatados.
Isso sim, me parece um jogo não muito justo.
E por que fazemos isso? Para reduzir os custos das nossas formulações! E isso me leva à segunda provocação…
Com todas as nossas habilidades em balancear e rebalancear os nossos produtos, é muito comum, por exemplo, que a gente faça a redução do custo da formulação de produtos já consagrados no mercado. Para isso, além das reduções de matérias primas, trocadas por aditivos, usamos nosso super time de análise sensorial, para garantir que as mudanças que fizemos não sejam percebidas pelos consumidores.
E aí a empresa rentabiliza e o consumidor continua pagando o mesmo preço, só que agora por um produto de menor valor. Se a gente faz o nosso trabalho certinho, ninguém vai perceber que a formula foi alterada.
Mas o consumidor já conhece esta prática do mercado, pois muitos produtos que ele gostava já não são como antes, e sabe que isso foi escondido dele.
E a terceira, a qual eu acredito ser a mais importante das provocações é:
Quando reduzimos, reduzimos e reduzimos os custos das formulações, por consequência reduzimos também o seu valor nutricional. A proteína, por exemplo, é um dos ingredientes mais caros que temos no mercado e é muito comum sua substituição por açúcar. Esta troca consequentemente reduz a importância nutricional do alimento na dieta. Quando falamos de outros bens de consumo, como camisetas, sapatos e celulares, é muito mais fácil identificar a de pior, ou melhor, qualidade, mas com alimentos isso não é tão fácil assim.
A população de baixa renda, em geral, é a classe para qual se destinam esses alimentos, de baixo custo e baixo valor nutricional. Só que essa classe, além do meu produto, também vai consumir os alimentos de outras empresas também de baixo valor. E como fica a alimentação e a saúde desta pessoa? Temos menos responsabilidade nos produtos low price?
Eu vejo que não podemos continuar contando lindas histórias, que não remetem ao produto que vendemos, pois estamos sendo colocados em check pelos nossos consumidores.
Não dá mais para falar que está tudo bem, porque não está tudo bem!
Temos muito a melhorar das portas para dentro de nossos laboratórios: estamos na era da transparência e a indústria de alimentos está sendo duramente cobrada. Temos um compromisso importante, que é alimentar a população e, entre todas as áreas da empresa, nós em P&D temos conhecimento sobre cada ingrediente adicionado no produto. E acredito que podemos ter um papel protagonista, e defender o produto que desenvolvemos.
O trabalho agora é pensar em novas estratégias para virar esse jogo, e cumprir a nossa promessa, impressa nas embalagens.
A forma mais completa e profunda de entender o usuário é a Pesquisa Etnográfica: metodologia que vem da Antropologia e Psicologia, e é usada há anos para entender a cultura dos diferentes povos ao redor do mundo. Mais recentemente, a Pesquisa Etnográfica vem sendo usada para alimentar os processos de Design Thinking, pois ela é uma das ferramentas mais adequadas para entender o usuário – e depois centrar o processo de desenvolvimento de produtos e serviços ao seu redor.
Quem trabalha com Design Thinking, normalmente emprega um ou outro método derivado da Etnografia, porém às vezes sem entender mais profundamente os seus impactos e cuidados – o que pode levar à um resultado superficial e, por vezes, não adequado aos usuários da empresa.
A Tacta Food School está trazendo ao Brasil a Consultora e Pesquisadora do assunto Sandra Mian, que nos ensinará os métodos que ela mesma emprega na Pesquisa Etnográfica de alimentos e produtos relacionados para empresas do Canadá, Brasil e México. (Você já conheceu a Sandra aqui!)
Através de exercícios práticos, os participantes vão estar capacitados para começar a criar projetos de pesquisa qualitativa aplicada, trabalhar no guia das entrevistas, fazer entrevistas etnográficas, coletar dados de maneira formal e válida, bem como utilizar esses dados nos processos de geração de insights, ideação e validação de conceitos.
O Ethnovation – Pesquisa Etnográfica em Food Design acontece em Campinas, SP, nos dias 11 a 15 de setembro de 2017, das 8h30 às 17h30.
Para ver a programação completa e formas de inscrição, acesse esta página
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Vocês são uns lixos isso sim. Por isso não compro produtos alimentícios industrializados.
Que pena que você pensa assim, Andrea. A gente espera que com a revolução que estamos promovendo na indústria, um dia não tenhamos mais este sentimento de ojeriza em relação à indústria de alimentos. Mas tem que trabalhar muito mesmo 😉