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Semana passada, eu mostrei no Instagram do Sra Inovadeira o lançamento da Wickbold, da linha Do Seu Forno – uma mistura para pães, nos sabores Original, Integral, Grãos Ancestrais e Australiano. O lançamento, realizado agora em outubro, pega a rasteira do momentum da pandemia (ou #pãodemia), em que muita gente, entediada em casa, em crise existencial de produtividade, se virou para o pão como uma válvula de escape.
Eu reconheço que mistura para pão não tem nada de novo. Moinhos tentam emplacar misturas para pão há diversos anos, sem grande sucesso. Há inúmeros exemplos de misturas para pão nas gôndolas do mercado: tem com centeio, integral, sem glúten, italiano, multigrãos, de mel, preto, caseiro e por aí vai. Falta de mistura para pães não impedia brasileiro nenhum de fazer pão em casa.
Então por que será que o lançamento da Wickbold é relevante? Por que será que ele extrapola em 300% as expectativas iniciais de vendas, a ponto de eu nem conseguir uma mísera amostra dos demais sabores para provar? (Até agora, dona Wickbold, só o australiano.)
Podemos explicar esse fenômeno de inovação em mercados existentes por dois olhares: a Curva de Penetração Tecnológica e FoodValue. Melhor ainda: vamos entender o fenômeno via a intersecção dessas duas metodologias – e, através deste exercício, compreender por que é importante saber para QUEM você está lançando um novo alimento. Isso faz toda a diferença na seleção de ingredientes, modo de preparo, formatos de comunicação, embalagens.
Mas, começando do começo.
Você já conhece a Curva de Penetração Tecnológica? Espero que sim – afinal, ele pintou aqui no site há bastante tempo e é útil para entender porque alguns mercados são super movimentados, enquanto outros não.
Vamos entender melhor o que é esse Curva?
Ela foi proposto em 1962 pelo sociólogo Everett M Rogers, no livro Diffusion of Innovations, para classificar e descrever os consumidores conforme a sua prática de adoção de uma nova ideia ou tecnologia. Segundo o autor, que analisou dados de mais de 500 pesquisas sobre hábitos de compra, os consumidores podem ser divididos em 5 grandes grupos, conforme a sua inclinação para a adoção de uma inovação em qualquer campo:
Inovadores, ou entusiastas: a galera que se joga em qualquer inovação, porque inovação faz parte do seu ser, principalmente porque são, eles próprios, do mesmo mercado em que a inovação está sendo lançada.
Adotantes iniciais, ou visionários: o povo que busca inovações realmente relevantes, disruptivas, que mudem o status quo. Não buscam referências externas para adotar a tecnologia, pois gostam de eles mesmos servirem de referência de inovação para seus pares.
Maioria inicial, ou pragmáticos: apesar de terem uma inclinação para a inovação, são mais comedidos em relação à sua adoção, pois entendem que muitas modas passam. Procuram referências estabelecidas de pessoas que já tenham adotado a tecnologia para formar a sua decisão de adoção.
Maioria Tardia, ou conservadores: aqueles que precisam que determinada inovação esteja já bem estabelecida, sendo ofertada por empresas tradicionais, para então considerar adotá-la.
Retardatários, ou céticos: a elite do
atraso, o povo que não deixa nada avançar, afinal tudo o que é novo com
certeza tem problemas e não tem qualquer função na sociedade. Só valem a pena
como forma de crítica para melhorar a inovação, deixando-a mais atrativa para
os Conservadores.
Antes de sair gritando aos quatro ventos “fogo nos retardatários”, gostaria de lembrar visionários e visionárias que todos nós nos comportamos de forma diferente em diferentes mercados.
E eu me ofereço ao fogo sacrificial.
Veja bem: para alimentos eu sou, sem dúvida, Inovadora. Trabalho na área, como o que vier pela frente e busco ativamente inovação – mesmo que não seja a mais radical ou disruptiva do mundo. Inovação por inovação é o meu jeito de me manter atualizada neste mundo, afinal é o meu trabalho.
Já para restaurantes, eu sou uma Adotante Inicial. Amo conhecer lugares novos, que só eu vi, e servir de referência para meu círculo de amizades. Mas tenho meus padrões: quero um cardápio inovador e um ambiente inusitado, para uma experiência única. Novo por novo, pode até abrir um podrão aqui na esquina que eu não vou.
Para investimentos, tenho que admitir que estou na Maioria Inicial. Fiquei muito tempo na renda fixa e acreditando na casa própria, somente para mais tarde começar a aplicar em outros produtos financeiros – e lendo o tempo todo o que os Visionários de cada produto dizem e recomendam.
Para boa parte das tecnologias (como celulares, tablets, relógios digitais e outros gadgets eletrônicos), eu sou da Maioria Tardia. Meu primeiro celular touch screen comprei em 2015 e o rádio que eu escuto todos os dias pela manhã ganhei nos meus 15 anos (pasmem, 27 anos atrás).
(Ou seja, Apple para mim é maçã mesmo.)
Para roupas, meus queridos e minhas queridas, eu sou indiscutivelmente retardatária. Só isso poderia justificar o meu All Star cafonérrimo e minhas roupinhas surradas.
(alguém me contrata uma stylist.)
Vamos começar entendendo qual é a inovação aqui – ela não é a “mistura para pães”. O trem da inovação no qual a Wickbold entrou é “fazer pão em casa”.
Coisa que até a sua avó está careca de fazer, mas virou trending again na pandemia. Sente o que o Google Trends nos fala a respeito.
Adivinha o que aconteceu nesse pico em março? Geral na pandemia, em casa, caçando o que fazer.
Ora, a empresa muito espertamente direcionou o seu lançamento para esse público. Não para quem já fazia pão (que são os Conservadores do movimento “pão industrializado”), mas quem estava fazendo pão pela primeira vez – quem estava começando a adotar a ideia naquele momento.
Eles miraram nos Visionários, gente que tinha embarcado nessa ideia de que, para passar bem na quarentena, tinha que colocar a mão na massa. Esse povo que buscava inovações que significativamente resolvessem o seu problema de não saber fazer pão. Para a ideia “fazer pão em casa”, a mistura para pão resolve melhor o problema do que a farinha – ao menos, para os Visionários*.
Este é um grupo que vai formar a sua própria opinião a respeito do produto, sem ter que ler grandes referências ou ter recomendações de outras pessoas. É a galera que vai se jogar para testar uma inovação.
É por isso que o produto não precisa pesar, já vem com sachet de fermento e só precisa de água e um pouco de óleo para funcionar. A hidratação é baixa para sempre dar certo e os sabores são alinhados aos pães mais moderninhos que vemos no mercado.
Que a linha do Seu Forno é mais prática do que farinhas puras, é fácil perceber. Mas já existem milhares de outras misturas para pão no mercado: por que os Visionários simplesmente não usaram uma destas?
(E aqui pego um gancho com os próprios Visionários de Alimentos – você aí lendo este texto. Em uma pesquisa rápida nos grupos de alunos da Tacta Food School, não encontrei uma única alma que tivesse experiência com o uso de misturas para pão. A não ser misturas para pães sem glúten: o que você pensa que isso quer dizer sobre este mercado?)
Um dos motivos é a quantidade. Todas as misturas para pão (e aqui falamos de pão com glúten) existentes no mercado fazem uma porção grande por vez: 4 pães. Ou então, para fazer menos, você tem que pesar e adaptar a receita, o que envolve equipamentos, como uma balança, que talvez um Visionário não tenha.
Já a mistura da Wickbold foi pensada para uma única pessoa, ou grupo pequeno. A quantidade mais baixa ajuda também aos iniciantes a não se apavorarem com a nova ideia (fazer pão em casa) e a lidarem melhor com possíveis pães que não ficaram a contento.
A lista de ingredientes segue a tendência clean label: veja a lista do modelo Original – farinha de trigo integral, glúten de trigo, açúcar mascavo, sal, farinha de centeio, sal hipossódico. O único aditivo que encontrei está no pão australiano, um aroma. Não escapou à atenção da empresa que este é um público mais instruído e que lê mais os rótulos dos alimentos.
Outro motivo é a inclusão, simples, mas importante, de um sachet de fermento. Veja que ela entrega, para quem está começando a se aventurar na ideia de fazer pão em casa, os dois ingredientes mais chave para o pão. Não tem que parar na frente da gôndola de fermento pensando qual comprar. Não tem que calcular o que fazer com o fermento que sobrar, caso não goste da experiência.
Também ajuda muito o fato de que a campanha de lançamento da linha inclui vídeos explicativos, um hot site, trabalho com influenciadores e todo o rol de mídias online que são a tônica da #pãodemia. É uma abordagem muito mais fresca do que os tradicionais livrinhos de receita e ações em clubes de mãe que vemos os moinhos fazendo.
Essa inovação resolve bem a dor para adoção dessa nova ideia, que é “fazer pão em casa” – e de um jeito que faz sentido para esse grupo de pessoas que está começando a fazer pão agora.
Para mim*, que já sei fazer pão, sou engenheira de alimentos, leio e vejo vídeos sobre o assunto há anos, o produto é desnecessário. Ele tira parte da liberdade do processo, o que justamente é o que me atrai no caso. Mas eu não sou Visionária da ideia “fazer pão em casa”.
É verdade, mas é uma mistura para pães da marca Wickbold. Aí entramos no terreno do FoodValue: tem muito valor simbólico por trás.
Fazer pão em casa ganhou novos contornos e deixou de ser associado à coisa de vó, para ser uma forma moderna de DIY – faça você mesmo. Entrou na moda, e já há algum tempo, fazer os próprios alimentos e bebidas (e já vimos empresas surfando nesta onda lindamente aqui).
Para entender por que essa mistura para pães da Wickbold está fazendo sucesso, precisamos compreender que as pessoas não compram objetivamente. Elas não decidem pelo mais barato, mais eficiente, mais seguro. A decisão de consumo de alimentos é altamente subjetiva e cultural – ela me ajuda, por exemplo, a declarar a quais grupos eu pertenço ou não.
Se eu sou Visionária, quero pertencer a esse grupo de pessoas modernas.
A Wickbold é uma marca de pães. Não é uma marca de farinhas. A própria embalagem já posiciona o produto de uma forma diferente na gôndola, se distanciando das demais misturas que muito se parecem com pacotes de farinha.
Ao comprar uma mistura para pães Wickbold, eu não me associo à História da minha avó fazendo pão sobre a mesa. Eu não me coloco ao passado. Pelo contrário: eu me Conecto com o presente, com as demais pessoas ao meu redor que estão passando pela pandemia, e parecem estar mais felizes porque estão fazendo pão. Será que fazer pão me trará também felicidade?
O fato de que uma empresa de pães, que está em constante lançamento de novos produtos, me apresenta uma forma de fazer pão, é novo. É fácil, é tecnologia, é inovação. Eu me interesso. As demais marcas de mistura estavam todas ali, mas eu nunca olhei para elas. A Wickbold já fazia parte do meu conjunto de marcas, afinal eu não sei fazer pão, e comia pão industrializado. Eu gosto do pão da Wickbold, acho que vou gostar de fazer o pão que eles estão me sugerindo.
A escolha de sabores também reforça essa Conexão com o presente, com o moderno, com o agora e é a parte do projeto que a mim, uma Pragmática dos pães em casa, mais atraiu. Afinal, eu sei fazer pão em casa, mas pão australiano? Prefiro comprar pronto.
O lançamento tem só vantagens? A meu ver, não. Não trazer a lista de ingredientes do produto no hot site a meu ver é o ponto de atenção, pensando que os Visionários se informam fazendo as próprias buscas (mas podemos encontrá-la no site).
Se você estivesse desenvolvendo uma mistura para pães para mim, talvez quisesse incluir alguns desafios, já que eu já sei fazer o básico. Para quem tem seu próprio levain, talvez fosse interessante pensar em farinhas especiais, ao invés de misturas prontas. O conjunto de valores que cada uma destas pessoas enxerga no pão também levaria a atributos distintos no desenvolvimento do produto.
Eu não falei?
Saber para QUEM você está lançando o produto faz toda a diferença. E eu espero que você, Visionária ou Visionário de alimentos, considere isso na próxima vez que tiver um projeto na sua frente.
*Para a minha persona, os produtos que fizeram mais sentido nessa pandemia foram os ingredientes para tornar o pão que eu já fazia mais especial. Sou “pragmática” no modo, mas “visionária” nos ingredientes: e eu me encantei com as massas madre que recebi da Vallens e a farinha de trigo Irati de Origem, que ficou entre os vencedores do FI Innovation Awards.
Você pode dar sequência a este artigo continuando a ler sobre como conhecer o usuário impacta nos projetos de desenvolvimento de novos produtos:
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