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Provocações da Sra Inovadeira

QUAL É O MUNDO QUE VOCÊ ESTÁ CRIANDO?

Postado em 19/05/2021 por Cristina Leonhardt
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Durante muito tempo, enquanto eu trabalhava com P&D de ingredientes, havia uma pulguinha agitando os meus sonhos. Enquanto era fácil perceber que eu contribuía para os resultados da empresa, e podia ver que nossos clientes e fornecedores também eram beneficiados pelo meu trabalho, algo me incomodava.

Algo parecia não estar certo – eu deveria estar fazendo algo diferente para ser a versão de mim que eu esperava de mim mesma. Sobretudo em projetos de redução de custo, ficava evidente que eu contribuía para os negócios, mas não para a sociedade. Conforme os anos se passavam, essa sensação foi se fortalecendo: qual era o meu papel na sociedade?

Eu consegui reduzir um pouco o desconforto quando comecei a escrever para o Food Safety Brazil: ali sim, eu sentia que contribuía diretamente para a produção de alimentos seguros, de uma forma abrangente, acessível e gratuita, pela disseminação de conhecimento. Mas o meu lugar no mundo, o meu papel na sociedade, ficou claro mesmo apenas quando lancei o Sra Inovadeira.

Quando comecei a expor minhas críticas meus pensamentos aqui, um universo se abriu dentro de mim. Finalmente eu estava no lugar em que deveria estar, finalmente eu tinha um papel ativo na sociedade. Ao me tornar professora, essa visão se cristalizou.

Se eu tivesse ajudado a transformar, nos últimos 5 anos, apenas uma única pessoa, já teria feito o meu papel – mas foram milhares de pessoas que passaram por aqui e foram transformadas de alguma forma. Muita gente descobriu o que era P&D aqui no site. Muita gente de P&D começou a repensar também o seu papel na sociedade e a sua atuação profissional, quando eu lhe incitei a cozinhar, comer o que desenvolve, desenvolver produtos para não-engenheiros. Muita gente descobriu que podemos decolonizar o pensamento e olhar para o butiá, e não o morango, na hora de inovar. Muita gente preta se inspirou na Raquel Logato e começou a se ver como protagonista, voz ativa, neste mundo de alimentos.

O Sra Inovadeira começou como uma forma de mostrar meus pensamentos ao mundo, virou uma plataforma para o debate da área de alimentos, reuniu uma comunidade ao seu redor e se tornou muito maior do que eu havia sonhado. Este site se tornou maior do que eu – ele se tornou um portal para um novo propósito de quem trabalha com P&D e Inovação de alimentos. Um ponto de encontro para os visionários de alimentos que pensavam que um novo mundo poderia ser construído.

Eu costumava dizer aos meus alunos que o Sra Inovadeira era o meu Mestrado ao vivo – eu vinha há anos aprendendo sobre Inovação de Alimentos e mostrando aqui o que aprendia. Agora estou fazendo um Mestrado de fato, e ele tem me trazido algumas respostas para essas perguntas antigas que eu me fazia.

Uma delas, e talvez a mais crucial: qual é o mundo que você está criando?

Melhor falando, qual é a responsabilidade que você se dá por este novo mundo que vai construindo ao longo dos projetos que conduz?

O que não estava certo, lá atrás, é que eu não estava ajudando a criar um mundo mais justo e acessível para a sociedade na qual eu vivia. Não havia uma gota sequer de preocupação com a saúde de quem iria consumir os produtos que eu estava a desenvolver – a não ser, é claro, que fosse para seguir uma tendência da moda e capitalizar sobre ela.

Não desenvolvemos produtos saudáveis porque é nossa responsabilidade. Desenvolvemos, finalmente, produtos saudáveis, porque agora eles estão na moda e podemos ganhar com eles.

Numa visão bem pragmática do mundo, você poderia agora me perguntar:

Ah, mas Sra Inovadeira, todas as empresas fazem isso. Por que a gente, aqui na área de alimentos, não poderia fazer?

Leia novamente a pergunta que você (supostamente) me fez, Pequeno Padawan.

Será que uma empresa de alimentos é uma empresa como outra qualquer? No mesmo nível de uma que faz roupa ou móveis, por exemplo?

Não me parece que seja o caso.

Enquanto roupas e móveis são importantes artefatos do nosso dia a dia, alimentos são essenciais. A diferença entre empresas de alimentos e outras, portanto, reside nesta palavra que muitos de nós, por vezes, esquecemos: essencial. Fica nítida a essencialidade do setor quando, mesmo dentro de uma pandemia, a indústria de alimentos consegue crescer.

Pois então, sendo essencial, pode ser leviano? Irresponsável? Pragmático? Pensar apenas no lucro? Ter visão de curto prazo?

Ezio Manzini, um dos expoentes do Design Estratégico italiano, fala:

A responsabilidade última do designer só pode ser contribuir para a produção de um mundo habitável, um mundo no qual os seres humanos não apenas sobrevivem, mas também expressam e expandem suas possibilidades culturais e espirituais.

Se abstrairmos a palavra designer para qualquer pessoa que trabalha com criação do novo – e os visionários de alimentos – eu lhe pergunto:

Você tem contribuído com a criação de um mundo habitável?

Se você nunca pensou sobre isso, ou acha que não está nas suas mãos a responsabilidade pela criação deste mundo de alimentos, talvez esteja precisando estudar um pouco de filosofia.

Filosofia? Para visionários de alimentos?

Sim.

Estamos acostumados com disciplinas separadas. Quem sabe de Humanas, não entende nada de Exatas. O pessoal da Biologia não sabe nada de Música. E nós, nas diversas áreas da Ciência, Tecnologia e Engenharia de Alimentos, não entendemos nada de Humanas.

Não temos um debate humanista nas áreas técnicas de alimentos – isso é coisa de bicho grilo e do pessoal dos paranauê, não? Quem tem tempo para falar sobre Moral, Valores e Ética quando está decifrando equações de terceiro grau ou calculando a troca de calor entre superfícies? Quem quer debater o que é o Bem e o que é o Mal no meio das reações de Maillard? Este debate é para outras pessoas, não para Cientistas, Tecnólogos e (aqui posso me incluir no balaio) Engenheiros de Alimentos.

Mas aí é que reside o problema.

Conforme vamos avançado na profissão, os desafios passam a ser cada vez menos técnicos e cada vez mais filosóficos. Cada vez mais nos encontramos em situações cinza, para as quais não temos respostas, nem referências. Não haverá um livro técnico que possa lhe conduzir satisfatoriamente do problema à solução, por uma série de equações concatenadas.

  • Qualquer um que já teve que cruzar a linha da legislação para reduzir custos (??‍♀️), sabe do que estou falando.
  • Qualquer um que já teve que liberar lote contaminado (??‍♀️), sabe do que estou falando.
  • Qualquer um que já teve que passar por cima das suas próprias convicções para continuar empregado (??‍♀️), sabe do que estou falando.
  • Qualquer um que já teve que aprovado rótulo abusivo ou enganoso, sabe do que estou falando.
  • Qualquer um que já teve que mentir para conseguir convencer pessoas no trabalho, sabe do que estou falando.
  • Qualquer um que não dormiu à noite por coisas que fez durante o dia (??‍♀️), sabe do que estou falando.

Por mais bem intencionado que a profissional saia da faculdade, essa falta de formação humanista vai lhe custar caro ali em frente. Como não desenvolvemos nas faculdades e nas carreiras esse sentido da Ética Profissional, é muito difícil que esta profissional bem-intencionada não seja também cooptada por um sistema capitalista, monopolista, que só visa o lucro e a automanutenção e atua como se fosse uma ilha isolada no mundo.

(E a gente vê isso claramente no discurso dos professores de Engenharia de Alimentos em eventos, quando dizem que a missão deste profissional é garantir a manutenção das qualidades nutricionais dos alimentos durante o processamento. Lindo, foi o que eu aprendi na faculdade. 15 anos de P&D em indústria e eu em nem uma única vez fiz uma análise antes e depois para ver se tinha conseguido reter vitaminas. Não posso ser a única cuja missão sempre foi outra – criar produtos gostosos e baratos. Aliás, trago dados:

Os demais resultados da pesquisa inédita sobre o Perfil de P&D de Alimentos no Brasil, conduzida pela Tacta, você pode encontrar aqui.)

Um sistema que produz comida, que é essencial para o ser humano, mas que olha para essa comida como se fosse qualquer commodityou um carro.

É bem difícil para visionárias bem-intencionadas serem capazes de questionar e propor mudanças nos briefings que recebem, por exemplo. Para isso, precisariam ter um sistema Ético bem formado internamente, que pudesse fazer frente a este sistema – mas este debate não acontece na formação destas profissionais.

Tanto é que inúmeras pessoas assinam Responsabilidade Técnica sem sequer entender o que é de fato Responsabilidade Técnica – e quais são os seus impactos. Assinam como consultoras, assinam como auxiliares de laboratório júnior, bem distante das mesas em que as decisões que podem comprometer o seu futuro profissional são tomadas. Assinam que são responsáveis, mas não são, de fato, responsáveis por aquilo. Até que a fiscalização bate à porta e aprendem na dor o que poderiam ter debatido na sua Formação.

A questão que quero lhe propor aqui é: a sua responsabilidade como visionária de alimentos vai além da entrega do produto hoje. Ela se estende, com responsabilidade e solidariedade, não apenas a toda as gerações presentes, mas às futuras, como nos alerta Manzini. Então falamos de nutrição, sustentabilidade, empatia, inclusão e diversidade. Estes valores estão no mundo que você está criando?

Certamente no desenvolvimento de nossos produtos tomamos decisões que são completamente de nossa responsabilidade. Decidimos os ingredientes a serem usados, as embalagens, o número de testes, onde estão localizados nossos fornecedores, que tecnologias iremos empregar no processo. Cada uma destas decisões constrói um novo mundo.

As decisões que não tomamos – como questionar esses briefings de produtos absurdos – também são de nossa responsabilidade. Todas as vezes que deixamos para alguém decidir por nós porque é mais fácil do que aprender algo novo. Todas as vezes em que não participamos de consultas públicas da área de alimentos, apesar da nossa formação privilegiada sobre o tema. Todas as vezes que aceitamos a oferta menos sustentável, apenas porque é mais barata. Todas as vezes que esquecemos que tem uma pessoa, do lado de lá, que irá comer este alimento e para quem ele é essencial. Todas as vezes que não consideramos a nossa responsabilidade na construção deste sistema de alimentos – cada decisão não tomada também constrói um novo mundo.

Por fim, no futuro, você vai poder olhar para trás e ver o mundo que ajudou a criar.

Que mundo que gostaria que fosse?

A criação de novos mundos habitáveis é, enfim, do que se ocupa o Design. Não basta apenas criar novos produtos, serviços, ofertas – o Design Estratégico está preocupado em criar mundos em que todos possam se expressar em suas identidades, visões e sonhos. É uma perspectiva nova, dentro de um mundo que até ontem só tinha como objetivo crescer, produzir e lucrar.

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Uma resposta para “QUAL É O MUNDO QUE VOCÊ ESTÁ CRIANDO?”

  1. Leonardo Valzachi Rocha disse:

    Olha, muito bom…eu estou trabalhando há um tempo na ICO(Impressora de Comida Sintética). O objetivo é criar alimentos sintéticos, transformando -Acredite – energia elétrica em carbono. Eu acredito que alimentos devem ser abundantes, gostosos, bonitos e -acima de tudo – GRÁTIS para todos os seres humanos (ainda que sejam grátis apenas os alimentos sintéticos). Acredito que todos os seres humanos devam ter 5 refeições diárias – E Fartas – gratuitas; acredito que dinheiros de salários devam ser apenas para comprar bens/serviços, jamais apenas comidas. E como estamos na época que é difícil achar comida natural mesmo, uma comida sintética é super normal, não acha?

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