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Há uma matéria interessantíssima na qual o jornalista Matthew Syed faz a correlação entre a falta de diversidade na CIA (Central Intelligence Agency) e os atentados de 11 de setembro. Em resumo, ele diz que se a equipe da CIA não fosse majoritariamente branca, masculina, anglo-saxônica, de religião protestante, classe média alta e outras características que os homogeneizava as ameaças enviadas em formato de vídeo por Osama Bin Laden teriam sido levadas a sério. A equipe não tinha conhecimento sobre as simbologias contidas na mensagem; para eles um homem barbudo sentado no chão de uma caverna no Afeganistão era apenas um louco engraçadinho querendo assustar os EUA. A falta de diversidade racial, econômica, cultural e sexual fez com que milhares de vidas fossem perdidas, houvesse pânico, terror e guerra. Se houvesse diversidade a história poderia ter sido bem diferente. O melhor de tudo, o dia 11/09/2001 teria sido apenas mais um dia normal na história da humanidade.
Agora, o que isso tem a ver com os setores de P&D da indústria brasileira?
A falta de diversidade racial, sexual, social e cultural faz com que haja pontos cegos na equipe e que o processo de pesquisa seja excludente e voltado para um mercado consumidor que é a imagem do pesquisador. Faz com que não haja uma mente criativa e visionária quanto ao que pode ser desenvolvido para classes sociais além da que o pesquisador pertence ou convive no ambiente da empresa, gerando super ou subestimação do público alvo. Sim, eu sei que há produtos que vão atingir a classes A e B e não atingirão C e D, que vão atingir mais mulheres do que homens e vice versa. Mas a questão agora não é essa, não é se prender a produtos desenvolvidos especialmente para um nicho econômico. É trazer pesquisadores negros com suas experiências, sua visão, seus valores, suas vivências pessoais que são bem diferentes dos pesquisadores brancos.
Lembro nitidamente de quando participei do processo seletivo para um cargo sênior em uma empresa conhecida no Brasil por pregar valores como diversidade, tolerância e equidade. Nas vezes em que fui lá para as entrevistas notei enquanto estava sentada no hall de espera que TODOS os funcionários que apareceram eram brancos, de classe média alta e com biotipo corporal similar; somente os seguranças, faxineiros e porteiros eram negros. Na etapa final com a diretoria (eram quase DEZ ETAPAS bem difíceis e de grande rigor técnico) eu já tinha a certeza da contratação, pois até haviam me pedido número de documentos. Fui bem feliz e tranquila, pois tinha passado pelas outras fases e ali era só o finalzinho. Resultado: olhar de nojo e desconfiança quando viram que eu, uma mulher negra, era portadora de um currículo com graduação, pós e mestrado em universidades federais e a escolhida para a vaga. Ouviu as seguintes perguntas:
“ – nossa, esse currículo é muita coisa para uma pessoa como você. Como conseguiu isso em tão pouco tempo?”
“ – Você pode me explicar mais sobre P&D e comportamentos de consumo atual dos brasileiros?”
Após esse pedido se seguiu um monólogo de 15 minutos onde dei uma aula sobre nutrição, comportamento do consumidor, food trends, intenção de compra, mídias digitais como instrumento de captação de clientes, pesquisa e desenvolvimento de produtos, estética do gosto, embalagens e tendências de consumo. Após isso ouvi:
“-Caramba Raquel, em um ano de brainstorming nossa equipe nunca pensou em metade das coisas que você falou. E não é que você tem razão? Estou impressionado.”
Mesmo tendo uma visão de mercado “impressionante” o olhar de nojo, de repulsa e a dúvida de que meu currículo era real e não haviam informações falsas ou mentirosas sobre minha expertise permaneciam. Chegaram a ser tão penetrantes que me incomodavam, o que eu mais queria era que aquele momento acabasse. O resultado disso foi a não contratação. Ouvi do RH que os diretores pediram para reabrir o processo seletivo para ver se no mercado havia um candidato melhor do que eu e que se não achassem iam me chamar. A vaga ficou aberta por incríveis 8 meses até contratarem alguém. Com expertise bem abaixo da minha, mas compatível com os padrões estéticos (leia-se branco) que havia entre os funcionários da empresa.
Deixei bem para o meio do texto porque não queria entrar de sola nesse assunto: processo seletivo de trainee da Magazine Luiza. Sim, vem pro MagaLu! Vem fazer diversidade, sim! Traz pobre, rico, preto, branco, indígena, ruivos, gays, solteiros, casados, mãe solo, pai solo, héteros, bissexuais, lésbicas, transexuais, homens, mulheres, idosos, meia-idade, jovens, recém formados, seniores, … não deixa ninguém de fora! Vocês querem um mundo melhor e mais igualitário, ficam caçando like no Linkedin falando de processo seletivo mais justo e abrangente mas quando surge a oportunidade de ter um negro ou grupos identitários ao seu lado constrói um muro mais longo do que a Muralha da China e mais alto do que o Muro de Berlim.
Eu não tenho um mínimo de paciência para essa galera caça like. A causa negra não é plataforma de autopromoção e nem de demonstração de “olha como sou legal, tenho até amigos negros”. O assunto é sério, só sendo negro para entender o que nós passamos a cada hora do dia. São olhares de rejeição ou desprezo, comentários maldosos sobre nossa aparência e atitudes, pessoas trocando de calçada ao nos ver, gente segurando a bolsa com mais força, atendimento precário ou ignorado em estabelecimentos comerciais e outras coisas. E por favor, não venha me dizer que isso é vitimismo, é real e existe. Se você que pensa isso pudesse ser negro por um dia não aguentaria nem 10 minutos na nossa pele.
Imagina só minha situação numa empresa pela qual passei: ganhando salários mais baixos do que mulheres brancas com formação inferior a minha (que historicamente já ganham menos do que os homens brancos), sendo confundida com faxineira e copeira mesmo estando com roupas que nem de longe lembram as dessa profissão, não ter voz em reuniões por acharem que eu era a secretária ou que não tinha nem o ensino médio completo (e me perguntavam? Não, só tiravam conclusões precipitadas antes de me ouvir abrir a boca). Ouvir de colega de trabalho que acha horrível ser preto e que não toma sol para não ficar desse jeito; amava ser branca e se pudesse seria mais ainda porque ser negro é horrível; ouvir que pessoas “moreninhas” nem é pra se interessar (como uma mulher linda e branca como ela ia dar bola pra esse tipo de gente?); ouvir que no Norte do Brasil as pessoas que são em sua maioria negras e indígenas são mais preguiçosas por causa do calor; ter a aparência subjugada; duvidarem que você mora num condomínio de alto padrão em área nobre porque
“ – não é possível que você tão jovem, ganhando pouco e recém casada tenha dinheiro para pagar um imóvel ali; você tem certeza que mora naquele prédio? Então me diz como ele é por dentro para eu ver se é verdade, porque não é possível você morar ali, deve estar mentindo o endereço. Pode falar a verdade, você mora naquele prédio mais simpleszinho da esquina ou no morro e está com vergonha de falar, não é?”.
Graças a Deus hoje na Agrodanieli sou muito respeitada e bem tratada por todos os colegas da empresa. Durante os 15 dias que estou aqui NUNCA notei um olhar desrespeitoso ou um comentário maldoso. Vocês não tem noção do quanto isso é gostoso, prazeroso e me deixa feliz e saltitante! Venho trabalhar com um sorriso de orelha a orelha e fazendo um prece silenciosa de gratidão a Deus por estar vivendo esse bem estar corporativo. E não estou falando isso só porque trabalho aqui e quero puxar saco da empresa, isso não faz parte da minha personalidade. Se a Cristina Leonhardt é a Sra. Inovadeira eu sou a Sra. Sincerona. Não sei rasgar seda para ninguém, gosto de falar a verdade sempre, mas nunca de forma ofensiva. Sempre falo com jeitinho e quando há abertura para isso ou pedem minha opinião. Nada de falar por falar e não estar nem aí para o que pensam, acho até feio fazer isso.
Hoje me sinto abençoada, realizada e vivendo no paraíso. Eu tô que só o Beto Jamaica e Cumpadre Washington cantando um dos versos musicais mais queridos dos anos 90:
Mas quando trabalhava no Governo do Estado do RJ…. Ai ai. Crê em Deus Pai Todo Poderoso! O negócio era tão punk que eu pedi demissão pelo excesso de desrespeito, falas racistas, desvalorização salarial e intolerância religiosa. E não é porque eu não me posicionava não, era abuso atrás de abuso, muita fala e atitude absurda de tudo quanto era lado, até de quem não me conhecia. Chegou uma hora que não deu mais, nenhum salário paga minha dignidade, saúde e paz de espírito. E sim, eu falei o nome do local das falas abusivas. Eu não estou mentindo, estou falando a verdade e sofri tanto com isso que não tenho motivo para esconder. Já escondi por muito tempo e me fez mal, agora dane-se o que vão falar e pensar sobre minha experiência corporativa mal sucedida. Denunciei? Sim, conversei com a chefia na época e ouvi que isso era coisa da minha cabeça e que eu devia estar passando por problemas em casa com meu esposo e estava querendo descontar nos colegas. Como eu estava passando por um momento delicado eu estava procurando culpados e vendo problema em tudo, que aquelas pessoas maravilhosas (cof, cof, cof) não eram capazes de fazer tais coisas. Resumindo: ao invés de ser apoiada fui exposta para os racistas. Olha que lindo! #sqn
Para vocês entenderem o momento delicado permita-me explicar: comecei a tomar antidepressivos e ter crises de pânico só de pensar em ir para o trabalho, não conseguia lidar com o mestrado pelo excesso de pressão, tinha pesadelos diários, crises de choro antes de trabalhar e ansiedade só em pensar no meu ambiente de trabalho. Um dia estava voltando do trabalho tão bagunçada das ideias que liguei para minha mãe e disse que quando chegasse em casa ia me atirar da janela da sala do meu apartamento que era no 7º andar. Tadinha, ela ficou desesperada! Até passou mal. Meu esposo foi para casa correndo e passou a ir me buscar no trabalho regularmente e conversava comigo no Whatsapp o dia todo para ver se eu estava bem. Ele tinha medo de eu me atirar na frente de algum carro ou me machucar como aconteceu algumas vezes. Estou com vários arranhões e lesões auto provocadas na pele por estresse. Mas ficam em locais bem escondidos e não tem como ver. Não estou falando isso para ficarem como pena de mim e me verem como coitadinha, estou apenas relatando a realidade. Não sou uma coitada, sou uma vitoriosa que está dando a cara a tapa, levando tiro na linha de frente de batalha e seguindo em frente com todo gás rumo a vitória. Como diz Mc Marechal:
“Nós tem que enfrentar essa guerra diariamente
Saber que as vezes tá calor, as vezes faz frio
Não se camuflar, ir pra frente
Entender qual é o procedimento
(…)
Meu bonde tá obstinado pra formar linha de frente
F**a-se os campo minado porque nós caminha com a mente”
Esses padrões de escolha profissional cristalizados em nossa sociedade precisam ser quebrados pelo RH, gestores e diretoria. Tal como a CIA, a indústria e as empresas em geral tem muito a perder quando não há diversidade racial, quando não há outro olhar sobre a mesma questão assim como eu tive na entrevista daquela empresa mostrando em 15 minutos os pontos cegos que não era sequer imaginados por estarem reclusos num nicho racial, social, cultural e econômico.
As vozes negras precisam ecoar nos processos de criação, pesquisa e nos alimentos que chegam nas gôndolas dos mercados. Precisam ecoar nos espaços corporativos, nas salas administrativas, nas universidades e em postos de trabalho que historicamente são ocupados por pessoas brancas.
A diversidade é um dos ingredientes principais do setor de P&D da indústria alimentos, sem ela estamos fadados a andar em um eterno círculo de mesmice.
A diversidade é um dos pilares do Design Thinking. A quarta turma para o curso de Design Thinking para Alimentos – EAD está com as inscrições abertas.
Durante a jornada, você se capacitará para aplicar o pensamento do design na prática no seu trabalho.
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Que orgulho de lhe conhecer desde o ventre de sua mãe!
Parabéns, seus textos são maravilhosos, não deixo de ler um se quer.❤️?
Ah, Quando eu crescer quero ser como vc , linda e inteligente!
Obrigada pelo carinho e admiração, Ana Paula.
Me senti lisonjeada.