O QUE É UMA TENDÊNCIA – ou, SERÁ QUE SALADA DE PEPINO É TENDÊNCIA?

De tanto usada, a palavra tendência já perdeu o seu significado (assim como inovação). Se tudo é tendência, saudabilidade, salada de pepino e comida coreana – como a gente frequentemente vê na lista das listas de tendências que soltamos todos os anos aqui no site – então nada é tendência.

Mas afinal, o que de fato é tendência?

A gente precisa aprender a não esvaziar o sentido das palavras. Não dá para dizer que uma alimentação sustentável é uma tendência e o último viral de comida do Tik Tok também.

Ou tendência é uma coisa, ou outra.

O QUE É UMA TENDÊNCIA?

Vamos fazer um acordo aqui entre nós: uma tendência é algo que dura. Está relacionada ao estilo de vida das pessoas, ao seu comportamento. Dessa forma, uma tendência tem a ver com uma mudança no perfil de concerns dos indivíduos, no contexto de interesse (expliquei concerns previamente aqui).

Há 30 anos, o perfil de concerns de pessoas adultas no Brasil (no contexto de alimentos) tinha a ver com subsistência, indulgência e hedonismo. A pauta de nutrição, saúde e sustentabilidade era pouco presente para o sujeito médio.

Hoje, você já sabe. Aumentou a preocupação com a saúde, temos o boom do mercado de nutricionistas (e nutricionistas-influencers) e a sustentabilidade começa a apontar como um direcionador de escolha.

Para título de exemplificação destes conceitos, vamos usar o Google Trends, que nos oferecem um panorama dos termos de busca de brasileiros com acesso à internet. Os recortes temporais são mostrados na imagem.

Esta mudança do perfil de concerns dos indivíduos gera uma tendência. Como o perfil de concerns é relativamente estável em um indivíduo, a tendência tem um sinal de longo prazo.

Você pode entender uma tendência de consumo como um tecido do qual emergem nossos comportamentos.

Amy Webb, a futurista queridinha dos brasileiros do SXSW, em seu livro (recomendo) The Signals are talking, lista as características de uma tendência de base tecnológica:

• Uma tendência é direcionada por uma necessidade humana básica, que é catalisada por novas tecnologias;
• Uma tendência é oportuna, mas persiste;
• Uma tendência evolui conforme emerge;
• Uma tendência pode se materializar como uma série de pontos desconectados que começam nas bordas e se movem para o centro.

Se nem tudo é tendência, o que seria a comida coreana?

O QUE É UMA MODA?

Dentro de uma tendência, pode haver dezenas de modas – elas são novidades dentro de algo que já existe.

Uma moda tem um sinal mais curto do que uma tendência, mas pode ser bastante significativa e chamar muito a atenção.

Comida coreana é um bom exemplo. Após muitos anos em que esta culinária ficou restrita à colônia coreana, um súbito interesse começa a aparecer em meados de 2020, acompanhando a popularização dos doramas. Apesar de ainda distante da popular comida japonesa no Brasil, o interesse pela comida coreana cresce todos os anos.

Mas a comida coreana mudou a forma como vivemos, nos comportamos – ou seja, é uma mudança no nosso perfil de concerns? Não.

Comida coreana é uma moda dentro de tendências maiores – que inclusive podem ser opostas. Aqueles que veem doramas, se aproximam da comida coreana pelo apelo a valores tradicionais presentes na cultura coreana. Outros, buscam nela saciar a sua fome de mundo, sua curiosidade e seu gosto pela aventura.

Você pode então escolher: a comida coreana por ser tanto uma moda dentro da Hiperconexão Global, ou da Nova onda do conservadorismo (em que também vemos o fenômeno das Trad Wives nos Estados Unidos).

Combinado? Moda não é tendência. Mas salada de pepino tampouco é moda.

O QUE É UM HIT?

Hit é algo que fazemos ou compramos para fazer parte de algo.

Quando, aos 13 anos, coloquei um anel de vedação de gás no dedo, eu queria fazer parte da cena grunge que chegava com força na nação roqueira gaúcha. Depois, aos 37, quando troquei todo o meu guarda-roupa por calças jeans, camisetas pretas e tênis, eu queria pertencer aos empreendedores de tecnologia (de preferência, de sucesso).

Antes que você esnobe as minhas tentativas românticas de fazer parte, é bom lembrar que todos nós fazemos coisas, compramos outras, para pertencermos a grupos. Pertencimento é uma ferramenta evolutiva central à existência e vida humana, que nos ajudou a sobreviver e reproduzir-nos.

A principal característica de um hit é a sua altíssima demanda e baixa disponibilidade. TODO mundo que é in está fazendo aquilo naquele momento – e você não vai querer ficar de fora. Pense na febre das paletas mexicanas, na loucura do pistache, e na bendita salada de pepino com salmão defumado e ALCAPARRAS do Tik Tok.

Há duas semanas, minha filha de 13 anos, que não se interessa nem por rock, muito menos grunge, começou a me perguntar: mãe, tem alcaparra? Tem cream cheese? Tem pepino japonês? Tem salmão defumado?

O que era isso? De onde vinha esse súbito interesse por ingredientes culinários?

A resposta: um viral no Tik Tok de uma receita de salada de pepino de um menino canadense de 23 anos. Logan, que agora já é uma celebridade de internet, tem um perfil quase 100% dedicado à adoração de saladas de pepino.

Salada de pepino é algo dentro de uma tendência maior? Sim. Poderia ser uma moda. Mas quem já viu Franui sabe que o combo “alta demanda/baixa disponibilidade” está presente, o que nos indica que estamos mais provavelmente observando um hit.

Combinado? Hit não é tendência.

Qual seria a tendência subjacente aqui? A meu, a tiktoknização de tudo – o tanto que o Tik Tok capturou nossas atenções, a ponto de fazer plataformas do Meta (Instagram) e do Google (Youtube) mudarem suas estratégias de conteúdo para vídeos curtos. A ponto do Tik Tok ser mais importante como mecanismo de busca que o Google para os jovens. A ponto de haver um declínio de mais de mais de 50% nas buscas por receitas no Google desde jan/22 – reduzindo o impacto que os sites de receita têm.

As pessoas ainda buscam receitas. No Tik Tok.

NA SUA ESTRATÉGIA DE INOVAÇÃO, NO QUE APOSTAR?

Tendências, modas ou hits?

Há oportunidades de negócio em cada uma dessas ondas. O importante é identificar corretamente o que estamos vendo, para planejar ações que sejam adequadas e corretas ao tipo de movimento em que queremos embarcar.

Eu vejo muitos negócios pequenos apostarem com força em hits. Ganham tração por um tempo, mas logo encontram seu abrupto fim, com a troca por outro hit mais brilhante. Hits são boas apostas para produtos sazonais, testes de validação de conceito e para negócios que não dependem única e exclusivamente deles – ou seja, que têm um portfólio de produtos mais abrangente.

Tendências são sempre mais seguras. Criar propostas de inovação alinhadas às tendências garante que o portfólio de inovação da empresa seja harmonioso em relação aos concerns atuais do grupo de interesse. Negócios que apostam suas fichas na forma como os indivíduos se comportam e vivem têm maior sustentação.

E modas? Elas podem ser bastante interessantes e lucrativas, especialmente para negócios pequenos e médios, que são mais flexíveis. Para grandes empresas, transformar uma moda percebida em negócio pode levar bastante tempo (que o diga quem está lançando hamburguer plant-based em 2024) – o que dá a chance aos negócios menores de abocanhar uma boa parcela do mercado antes que as incumbentes cheguem.

Neste caso, ser capaz de se adaptar rápido às flutuações é crucial para gerar valor – afinal, moda um dia passa, e você não vai querer ser o último restaurante de fondue da sua cidade.

Dito isso, empreendedores, profissionais da inovação e Visionários de Alimentos precisam estar por dentro de tendências, modas e hits – porque todas elas abrem oportunidades de atuação, em diferentes níveis.

Este ano acontece a Sial Paris 2024: um palco importantíssimo para lançamentos, novas tecnologias e captura de tendências.

Eu estarei fazendo a Cobertura de Inovação Sial 2024. Você poderá acompanhar em tempo real as tendências, modas e hits capturados na maior feira de alimentos processados do mundo.

Veja como participar aqui

Cobertura de Inovação Sial 2024