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Trabalhei numa empresa que produzia um ingrediente único: com uma matéria-prima especial e um processo patenteado, obtínhamos um produto que quase nenhuma outra empresa no mundo tinha em mãos. Além da exclusividade, éramos os maiores produtores – ou seja, se alguém tinha que entender deste ingrediente, éramos nós.
E, de fato, conhecíamos muito bem o produto: as condições de condicionamento da matéria-prima, os desvios de processo e seus tratamentos, as aplicações possíveis (e seus pulos do gato). A empresa tinha uma montanha de documentos especificando estes aspectos, e muitos projetos para iluminar o que ainda não conhecíamos.
Nós estávamos fazendo a empresa aprender em quase todas as frentes: P&D, Qualidade, Produção, Suprimentos, Vendas.
Apesar de todo este esforço, havia muitas lacunas de conhecimento. Volta e meia, apesar de dos controles de processos, apareciam desvios completamente imprevistos. Alguns nos tiravam o sono por meses, até que alguém descobrisse como resolvê-los. Outros, desapareciam como mágica, sem que pudéssemos entender o que os havia gerado, ou o que havia trazido de volta o processo para o padrão.
Nesses meses insones, o stress da equipe era evidente. Os desvios causavam todo tipo de transtorno, desde redução do rendimento e da produtividade, até problemas na aplicação do ingrediente em outros produtos.
Quando aparecia um desvio, não era pouca coisa.
(Os visionários que trabalham com produtos mais complexos devem entender o que estou falando. Haja rivotril chá de camomila para passar pelo turbilhão.)
Todo mundo queria se livrar do problema. Rápido. Muito rápido. De preferência, sem que ninguém de fato soubesse que o problema tivesse sequer existido.
Era quando surgiam os Videntes. Os Seres Iluminados em contato com a Ciência das Galáxias. Os Einsteins de Plantão.
Enquanto a equipe inteira – inclusive eu – se enchia de dúvidas, e propunha várias formas de testar o problema, o tal Ser Iluminado, Einstein de Plantão, dizia, categoricamente:
“– Isso está acontecendo porque o ácido XPTO está reagindo com o sal XYZ na temperatura W. COM CERTEZA.”
Eu, de P&D, que deveria ter todas as respostas, sofria. Com o meu próprio chicote (você deveria saber disso, Cristina) e com o chicote do Big Boss, que me perguntava:
“– Por que você não tem a resposta para isso, Cristina?”
Minha vida mudou muito desde então, e esses dias me peguei refletindo sobre o papel do pesquisador nas empresas.
O que um visionário faz no P&D? O que um cientista, engenheiro, químico, tecnólogo faz no P&D? Qual é a sua principal função para a empresa?
O que eu vejo, cada vez com mais frequência, é o P&D se tornando o Oráculo dos Deuses.
Um dos motivos é a famigerada redução de custos: conforme se reduz o investimento em treinamentos, demite-se funcionários mais antigos, opta-se por contratar recém-formados, a empresa como um todo perde conhecimento, principalmente tácito. Se o colega já ficou tempo suficiente numa empresa, já viu o filme.
O P&D passa a ser a única área com pessoal técnico e com algum tempo na empresa. Vira o telefone do Batman.
(Aliás, o filme que contei acima aconteceu justamente pela substituição de funcionários mais antigos por gente nova – e competente – que pouco ou nenhum conhecimento tinha daquele processo.)
O segundo motivo, contudo, tem a ver com a nossa formação. Afinal, somos todos pesquisadores de alimentos, não? Temos que saber mais de alimentos do que qualquer outra pessoa da empresa.
A nossa função é justamente responder às dúvidas da Produção, Vendas, Marketing. Se a Big Boss ligar para o P&D, melhor ter a resposta na ponta da língua.
Temos que dar respostas. Temos que saber as respostas.
Ai de quem não sabe a resposta.
(O que acontece com quem não tem a resposta na ponta da língua?)
Agora… vamos refletir sobre este ponto.
É papel dos visionários saber tudo?
É papel dos visionários ter todas as respostas?
É papel dos pesquisadores serem os Einsteins das empresas, receptáculos de todas as informações a respeito de produto, processo, matéria-prima, embalagem?
É papel dos visionários de alimentos ser o Oráculo dos Deuses, o telefone do Batman, com soluções para todos os males, de dor de cabeça a unha quebrada, falta de cor a rendimento baixo?
Se a sua cabeça está dizendo “não” neste momento, escute-a. Ela está certa.
É até senso comum que tal Ser Iluminado não ecxiste.
Mesmo assim, é a cultura em que vivemos. Sentamos em 5 pesquisadores de alimentos em uma mesa e brigamos para ser o primeiro a levantar a mão com a solução para um problema proposto. Precisamos dar uma solução para um problema.
(ok, talvez a turma do fundão esteja mais preocupada com o churras do final de semana para sequer ouvir a pergunta, mas vocês me entendem)
Sabemos conscientemente que ninguém tem todas as respostas – mas não suportamos uma pergunta parada no ar. Temos que respondê-la – mesmo quando não temos nenhum fundamento para a resposta dada.
Já quando vamos pensar em métodos que o design usa, ou ferramentas que são empregadas para estimular a inovação, surgem as dúvidas e os questionadores como pilares da disrupção. Qualquer processo de inovação que se preze começa com perguntas próximas a “E se?”.
Ser capaz de explorar as perguntas, entender suas nuances, extrair o máximo de significados possíveis do que está sendo solicitado é mecanismo fundamental do pensamento inovador. Não se faz inovação sem questionar muito – inclusive as próprias questões.
E eu vejo, na prática, o quanto isso incomoda os visionários que vem participar dos nossos cursos de Inovação e Design Thinking. Antes mesmo de termos conhecido os seres humaninhos que serão nossos consumidores, já queremos ter o produto pronto. Nem sabemos quem vai comer o que desenvolvemos, mas já definimos todos os fornecedores.
Quando lançamos o desafio em sala de aula, que pode ser algo como “o que iremos comer em 100 anos?”, bem poucos alunos se permitem tempo de divagação e exploração. A maioria esmagadora parte logo para a solução – como poderemos resolver esta questão?
Vejam: sem fundamento algum.
Sem entender a pergunta. Sem saber que tipo de resposta é necessário. Sem pensar como será a vida em 100 anos, muitos alunos, por exemplo, sugerem o uso de tecnologias atuais, como QR Code e drones.
Será mesmo que em 100 anos usaremos o que já está estabelecido hoje, da forma como é?
Dificilmente.
Mas a mente que está acostumada a responder, a ser o Oráculo dos Deuses, o Einstein da empresa, tem dificuldade em habitar no problema. Sofremos com uma pergunta sem resposta. Estamos presos à dicotomia “problema-solução, problema-solução, problema-solução”.
E aí reside um dos maiores motivos pelos quais a área de P&D muitas vezes é vista dentro da empresa como aquela que apenas sabe dizer “não”. Ao invés de nos debruçarmos sobre o problema, para entende-lo nas suas minúcias, usamos o nosso repertório de conhecimento para dizer, rapidamente, sem fundamento, sem exploração alguma:
“É impossível”.
Esquecemos que este mesmo repertório é apenas uma fotografia da ciência existente, e que a própria ciência é uma fotografia desfocada de como as coisas funcionam no mundo. A focagem acontece todos os dias, com novas descobertas e entendimentos. Então, metemos os pés pelas mãos, afugentando precocemente projetos inovadores que precisavam simplesmente de um pouco de exploração.
Sabe uma coisa: você não precisa ter todas as respostas.
Você, se quiser mesmo ser o novo Einstein, deveria estar mais preocupado com as perguntas. Em fazer muitas perguntas, as certas e as erradas.
Liberte-se.
Até porque, você não vai querer ser o Vidente Ser Iluminado, que tinha CERTEZA da solução do problema, e que fez toda a fábrica correr, mudar o processo, investir em equipamentos ou ensaios – para nada mudar.
Para o problema persistir.
Mas “que bom” que o Oráculo das Galáxias deu uma solução (que não servia para nada), não é?
Correndo atrás da solução, ninguém entendeu o problema. Ficamos sem entender a causa dos desvios de processo. O problema foi embora como chegou, sem ninguém saber ao certo por quê.
E a organização, que já vinha perdendo conhecimento tácito, perdeu mais uma oportunidade de construí-lo.
Eu já era tinhosa naquela época (conta mamãe que sempre fui :P). Quando o Big Boss me perguntou por que eu não tinha respostas, apenas respondi:
“– Sabe , engraçado. Eu, que estudo tanto, cujo trabalho é justamente fazer pesquisa, que acompanho tantos testes, quanto mais aprendo, mais descubro que existem muitos mistérios neste produto.
Já o Ser Iluminado, que nem trabalha com Pesquisa, parece ter tanta certeza de tudo, não?
Curioso.”
O Ser Iluminado continua lá. Já eu, fui demitida.
Portanto, não sigam meus conselhos.
A não ser que lhes interesse inovar 😉
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