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Estamos vendo um movimento de empreendedorismo que bate às portas da Big Food com um propósito bem definido: “nós viemos balançar o seu barco”. Mas será que estas novas startups de alimentos são tão novas assim? Será mesmo que vieram “balançar o barco” ou estão mais para “entrar no barco”? Será que todo mundo que fala como startup se comporta como startup?
Como mentora de uma empresa júnior de Engenharia de Alimentos, volta e meia me deparo com situações, no mínimo absurdas estranhas. As empresas júniores atendem principalmente pequenos negócios nascentes, aqueles que ainda não têm grana para bancar uma consultoria mais estabelecida.
Ou seja, atendem a muitas startups que nasceram para mudar a forma como as pessoas se alimentam. Negócios que vão alterar a sua percepção sobre comida industrializada. Empresas que se preocupam com você. Jovens que tinham um sonho: revolucionar o mercado da alimentação as we know it.
O mundo está cheio deste papo.
Casal abandona o emprego para viajar e descobre uma raiz exótica nas montanhas vietnamitas, onde a longevidade chega a 158 anos.
Amigos decidem encarar os gigantes do agronegócio trazendo uma solução disruptiva para arroz vermelho que usa blockchain, drones, VR, inteligência artificial, edição genética e nutrigenômica.
Especialista de TI abandona tudo para fundar sua própria empresa de suplementos plant based, gluten free, sugar free, carb free, toxin free, pesticide free.
É encantador.
Charming ? ?
Para quem começou este site em 2016 reclamando que não havia inovação de alimentos no Brasil, e que sim, empresas pequenas e flexíveis podiam inovar, é até encorajador.
Eu poderia estar no momento pulando de alegria. Minhas preces foram atendidas, oh, Goku.
Porém, eu sou macaca velha. Encanto-me e encorajo aos novos empreendedores, mas uma parte de mim (ultradesconfiada) fica se perguntando internamente:
– O que tem mesmo de novo nisso tudo?
E volta e meia eu descubro que nada mais é do que um Museu de Velhas Novidades: uma embalagem charmosa e era isso. Um slogan chamativo e era isso. Bons relacionamentos com a imprensa do centro do país e era isso.
Contudo, se fosse apenas isso, uma cópia modernex do que já existe no mercado, nada de novo no front. Nem haveria razão para este artigo, pois seriam apenas novos empreendedores fazendo o que antigos empreendedores sempre fizeram: chamando a brasa para o seu assado e vendendo o seu peixe como o mais fresco da feira.
(Estamos cheias de figuras de linguagem hoje, hein?)
As situações não seriam absurdas estranhas.
Seriam apenas bobas. Ingênuas. Coisa de quem não conhece bem o mercado em que atua.
Startupeiros que ficam de costas para a legislação, desrespeitando até noções básicas de rotulagem que estão na RDC 259/02. Gente que nem denominação de produto coloca no painel frontal (tá cheio).
Povo que não lista os ingredientes que usa (tchau, transparência!), ou que diz que não vai listar a classe do aditivo “porque o consumidor não gosta, aspartame tá bom”.
Jovens sonhadores que usam denominações como gluten free e allergen free em produtos LOTADOS de contaminação cruzada. Empreendedor-modinha que não se preocupa com os milhares de pessoas celíacas ou alérgicas que podem morrer consumindo seus produtos.
Está nos processos internos. No jeito com que a empresa é gerida. Nas relações com clientes e fornecedores, com parceiros. Nas formas de trazer e tratar colaboradores.
Dupla de amigos de infância que não consegue formar um clube de compras com outras empresas para ter acesso a ingredientes e suprimentos mais baratos porque “deusulivre eu contar para o coleguinha do lado quem é o meu fornecedor”.
(Porque, claro, fornecedores de ingredientes e embalagens são mesmo raros para quem não tem nem noção do mercado em que está se metendo. Casos que chegam até mim: o startupeiro que nem o fornecedor de SACOLAS podia compartilhar.)
Povo que ainda usa a lógica da escassez para se fechar num mundo de medo. Que enxerga a todos como concorrentes e não se permite colaborar.
Surfistas desencanadas cuja principal missão é sustentabilidade, porém se esquece (convenientemente) que seres humanos são protegidos por leis sanitárias e “resolve” não segui-las por conta própria. “Ah, bobagem essa coisa de HACCP”.
Casal empoderado que tem medo de se arriscar. Que copia produtos já existentes. Que lança produtos já reduzindo custos. Estilo: faça o que o mestre mandou – “eu vi a Big Food fazer, reclamo e faço igual.”
Família que montam a sua própria cervejaria, com versão “gluten free”, produzida junto à cerveja puro malte – “porque a enzima quebra o glúten abaixo de 20 ppm”. E ainda vem discutir com blogueira na internet (eu) defendendo o consumo da cerveja pelos celíacos.
Colegas de faculdade que trabalham com robótica e vão trazer robôs para o mundo do food service, desconsiderando anos de desenvolvimento de projeto sanitário em alimentos.
Tem coisas que são essencialmente um crime.
Como a startup descolada vegana dos amigos de faculdade cujo processo de esterilização não mata Salmonella (como?) e mesmo assim manda o produto para o mercado.
(E que fica horrorizada com recall de carne contaminada ou com a Operação Carne Fraca.)
Tem uma centena de exemplos que eu venho acumulando nos últimos 3 anos, sempre com algum desgosto.
Não dá para mudar o mundo fazendo as mesmas coisas que se fazem hoje, coleguinha.
Não dá para mudar o mundo apagando o que já foi construído até hoje na ciência e tecnologia de alimentos.
Não dá para mudar o mundo surfando apenas no hype da tecnologia.
Não dá para mudar o mundo de costas para o ser humano. Produzindo comida para ET, sem considerar a complexidade de dietas e restrições que se somam à experiência de SER humano.
Se você critica algo, tem que fazer melhor, não é? Quem vem criticar a Big Food, tem que fazer melhor do que ela – não superficialmente, mas profundamente melhor.
(Seria o mesmo que se eleger criticando a velha política e continuar usando-a.
Ops.
Pera.)
Portanto, queridos empreendedores-visionários: sejam realmente phodas. Criem produtos e serviços extraordinários. Coloquem sua alma em novas soluções e resolvam os problemas dos usuários que ainda não foram atacados pela Big Food.
E façam isso com a mentalidade de 2019, com responsabilidade e com respeito pelo usuário. Façam isso seguindo a legislação – que não está aí para lhe atrapalhar, mas para lhe conduzir e lhe proteger.
Façam isso falando como startup.
Mas principalmente, façam isso se comportando como startup.
Acha que é só no Brasil que o povo critica o establishment e faz igualzinho a ele?
Na na ni na não.
Um dos casos mais emblemáticos do mundo das startups aconteceu fora da área de alimentos: a Theranos prometia testes rápidos de sangue, com apenas algumas gotas.
Levantou mais de USD 700 MILHÕES, fez parceria com uma das maiores cadeias de farmácia dos EUA para se descobrir que era tudo um esquema. A tecnologia da empresa não entregava o que prometia, não tinha a acuidade e confiabilidade dos testes convencionais, não conduzia todos os testes prometidos (+ de 240) e era mais lenta do que alguns equipamentos da concorrência.
Vale a pena ler a cobertura do Independent a respeito do caso – onde se mostra que o hype da empresa teve mais a ver com a figura carismática e “inovadora” da fundadora e CEO do que com a entrega de resultados reais.
No mundo de alimentos, temos o caso da Juicero, que levantou grana até da Google Ventures, e faliu em 2017, ou o forno Juno, de mais de USD 1,5 mil, que faz basicamente o que um forno faz.
A área de alimentos é a que mais atrai novos empreendedores no Brasil. Não sou eu quem diz disso, mas o relatório local do Global Entrepreneurship Monitor de 2016: 14,4% dos negócios nascentes* em terras brazucas são Restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas (1° lugar), 7% Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada (3° lugar) e 4,8% Serviços ambulantes de alimentação (6° lugar).
Juntas estas categorias somam mais do que o triplo do segundo colocado no ranking (Comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios).
Quando olhamos mais à frente, contudo, o cenário é menos animador. Entre os negócios estabelecidos**, mantêm-se os Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada, em 6° lugar, com apenas 4,3% dos empreendimentos. Mais de 80% dos negócios de alimentos fecha antes de completar 3,5 anos de existência.
É claro que nem todos estes negócios têm o mesmo perfil: temos uma imensa maioria de empreendedores que não está preocupada com inovação. São os negócios de sobrevivência, que pagam as contas do empreendedor ou empreendedora e era isso. Para esta turma, tanto faz copiar a Big Food, não tem problema nenhum com o que a Big Food faz.
Agora, há a parcela que se incomoda e quer inovar. Ela é pequena: o Brasil tem certa carência de empresários schumpeterianos – aqueles para os quais o que move é inovar – mas eles existem.
É para esta turma que eu digo:
Walk the Talk, baby.
*negócios nascentes são aqueles que têm até 90 dias de existência, segundo definição do GEM.
** negócios estabelecidos são aqueles que têm mais de 42 meses de existência, segundo definição do GEM.
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