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NÃO DESENVOLVA ALIMENTOS PARA ENGENHEIROS

Postado em 11/01/2017 por Cristina Leonhardt
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Esses dias meu marido colocou na cabeça que deveríamos comprar uma casa. Ele compartilha da visão da maioria dos brasileiros (não minha) de que pagar aluguel é jogar dinheiro fora. Pois bem, como me prometi ser mais aberta ao novo desde 2015, lá fomos nós visitar as casas que estavam à venda aqui na cidade. Em uma das casas, encontramos um construtor que nos acompanhou na visita.

Ao subir ao segundo andar, me deparo com um quarto que mais parecia um corredor. Fiquei fazendo um posicionamento mental dos móveis normais de um quarto – uma cama, um armário, quem sabe uma escrivaninha? – mas de jeito nenhum cabia. Então perguntei:

Como vocês posicionaram os móveis aqui no quarto quando fizeram a planta?

Ao que o construtor me respondeu:

Ah, hoje em dia os arquitetos têm muitas soluções para os quartos, você não tem que se preocupar com isso!

E continuou a conversa sobre outro assunto.

Ou seja: ele não constrói casas para seres humanos. Ele constrói casas para seres humanos que são arquitetos.

Não preciso continuar o texto para dizer que – obviamente – a casa em questão está fora dos planos.

Contudo, essa conversa me fez pensar num papo radicalmente oposto que tive com o dono de uma cervejaria artesanal aqui na região (quem segue o Instagram da Sra Inovadeira sabe que frase é esse: “nós fazemos cerveja para consumidor, não para cervejeiro”.)

Repare como as frases são radicalmente opostas.

O cervejeiro estava interessado no que eu estava achando da sua cerveja. Ele tinha ouvidos para as minhas preferências, escolhas, desejos em relação à cerveja que ele produz (e ganhou uma fã). Já o construtor, seja por condescendência, machismo ou burrice pura e simples, simplesmente descartou a minha pergunta como se fosse bobagem (e perdeu tanto o negócio quanto a possibilidade de aprender algo).

Já falamos aqui sobre o conceito da usabilidade. O Quinan, durante sua palestra no 4º Fórum de Inovação, definiu usabilidade como  a “capacidade do projeto ser facilmente entendido por outro ser humano – sem grandes explicações ou manuais de operação”.

Pense: quem deseja um produto/serviço que requeira a leitura de um manual de 300 páginas ou um curso de 3 semanas?  

Bem poucos usuários estariam dispostos a tal esforço para conseguir usar um produto, concordam?

Pois bem:

então por que seguimos desenvolvendo produtos para engenheiros de alimentos?

Por que seguimos desenvolvendo produtos com uma lista infindável de aditivos com nomes irreconhecíveis?

Por que seguimos desenvolvendo produtos que o consumidor nunca viu pela frente, apenas pela “novidade”?

Por que seguimos desenvolvendo produtos cujas embalagens não podem ser reutilizadas ou apropriadamente fechadas após abertas?

Por que seguimos rotulando com letras tão miúdas que poucos conseguem ler?

Por que não damos retorno aos consumidores que nos fazem perguntas no SAC da empresa?

Acaso são engenheiros de alimentos, cientistas de alimentos, tecnólogos de alimentos e suas variantes, que formam nosso público consumidor?

Acaso desenvolvemos livros técnicos? Jalecos? Termômetros de bolso? Computadores? Calculadoras? Agendas? Softwares de gestão de projetos?

Ou desenvolvemos COMIDA?

Se desenvolvemos comida, desenvolvemos para pessoas. Para seres humanos, não-engenheiros, não-cientistas, não-tecnólogos na sua maioria.

Mesmo assim, continuamos desenvolvendo produtos cheios de ingredientes irreconhecíveis, difíceis de serem abertos, em porções muito grandes, com nenhuma informação sobre procedência, e que precisam contar toda a história em seu rótulo ilegível, pois se o consumidor ligar para o nosso SAC, não nos daremos ao trabalho de responder às suas perguntas.

É nessas horas que eu vejo o quanto uma formação tecnicista, voltada ao raciocínio analítico e que despreza qualquer contato com as Ciências (ditas) Humanas é perversa para quem trabalha com Pesquisa e Desenvolvimento. Saímos das nossas graduações uns robozinhos de processar fórmulas e projetar processos, mas não entendemos NADA de criar alimentos para seres humanos.

Pior: entramos nos centros de Pesquisa e Desenvolvimento de alimentos das fábricas porque somos técnicos de alimentos, e encontramos somente outros tantos técnicos de alimentos por lá. Conforme subimos na carreira, e ocupamos posições de gestão, passamos a contratar outros técnicos de alimentos.

Círculo vicioso: quem cozinha em um P&D? Engenheiros? Cientistas? Tecnólogos? Onde estão os chefs de cozinha e os nutricionistas trabalhando em P&D?

Fora do Brasil, um time misto entre engenheiros, cientistas e chefs é algo corriqueiro. Na Tyson, cerca de metade do time de P&D é formado por chefs certificados. A Unilever, Prestige Foods,  empregam chefs de cozinha. Temos centros culinários na Surlean Foods e inúmeras vagas de P&D para chefs, em diversas empresas, para trazer apenas alguns exemplos.

São louváveis iniciativas na contramão disso, como por exemplo a disciplina de Desenvolvimento Integrado de Produtos da Poli-USP, que coloca na mesma equipe graduandos de disciplinas como engenharia, design e administração. A disciplina é um dos projetos do InovaLab@Poli, mas não trabalha na área de alimentos.

No Brasil, contudo, elas ainda são tímidas. Pouquíssimas empresas de alimentos já começaram a trilhar o caminho para se aproximar dos seus usuários. Quase nenhuma já conta com o usuário nas etapas de desenvolvimento de produtos – e não estamos falando apenas dos focus groups,  apesar de que são sim ferramentas (ainda superficiais, mas ferramentas).

Quem aí pensa que engenheiros “entendem mais” de alimentos do que nutricionistas?

(ah, Sra Inovadeira, você não pode escrever isso)

(posso sim, o site é meu para escrever o que eu quiser, principalmente as besteiras que escuto de engenheiros de alimentos o tempo todo)

Vamos lá, sejamos sinceros: quem aí pensa que engenheiros entendem mais de alimentos que nutricionistas?

Quem aí pensa que veterinários entendem mais de carne que engenheiros?

Quem aí pensa que chefs entendem mais de cozinha que nutricionistas?

Quem aí pensa que nutricionistas entendem mais de restaurante do que cientistas?

Sabe de nada, inocente  😉

Ficamos reclusos à nossa patota, e perdemos a chance fenomenal de aprender com quem tem uma formação, experiência e vivência complementar à nossa. Ficamos reclusos à nossa patota, e perdemos completamente a sintonia com o que está acontecendo com o usuário.

Pensamos que estamos desenvolvendo um produto para ser colocado num pedestal, e acabamos sendo criticados pelo MESMO consumidor que queríamos agradar.

(Quer um exemplo recente? A Cerveja Proibida lançou uma versão para “mulheres”. O resultado: campanhas e mais campanhas espontâneas (ou não) para mostrar à Proibida que mulher bebe o que quiser. (Quem ganhou com isso? a Catuaba Selvagem e a Japas Cervejaria, que aproveitaram a onda e ganharam milhares de seguidores no Facebook.))

Precisamos cruzar a ponte. Destruir nossas crenças limitantes. Reconstruir nosso propósito e reencontrar o propósito da indústria de alimentos: facilitar a vida do nosso usuário.

Caros visionários, eu tenho um desafio para vocês em 2020.

Criem como humanos. Liderem como humanos. Ajudem como humanos. 

Façam parte de equipes como humanos.

Sejam humanos.

Desenvolvam alimentos para humanos.

(e, construtores, vocês também: construam casas para humanos. a não ser que queiram entrar no mercado de A.I.)

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2 respostas para “NÃO DESENVOLVA ALIMENTOS PARA ENGENHEIROS”

  1. Luiza Santana disse:

    Olá! Eu sou de acordo com tudo isso! Moro na França e por aqui as coisas são bem diferentes! Posso dizer que em equipes multidisciplinares todo mundo só tem a ganhar (principalmente o consumidor)! Além do mais, a tendência é que os alimentos sejam cada vez mais simples, o que não quer dizer que não envolva engenharia! É preciso que os desenvolvedores olhem lá na frente e identifiquem necessidades que as pessoas ainda não sabem que tem, identifique diferentes maneiras de apresentar produtos.. é ai que a criatividade precisa entrar! Pena que no Brasil as formações preocupam-se d+ em nos formar para entender e usar os “Ezinhos”!

    • Cristina Leonhardt disse:

      gente, posso tatuar esse comentário?
      Que felicidade quando um leitor entende exatamente o que eu quis dizer: não é uma negação da ciência, tecnologia e engenharia de alimentos – é justamente o uso desta para atingir resultados mais harmônicos, sustentáveis e adequados (e simples!).
      Obrigada por comentar, Luiza!

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